por: Pedro Amaral
Há um par de horas, eu perambulava pela rodoviária de Brasília, “vagaroso, de mãos pensas”, sorvendo o ar pesado e quente enquanto ruminava sobre o indescritível projeto de terceirização irrestrita aprovado pela igualmente indescritível maioria de deputados da legislatura corrente, nesta quadra de nossa História também de difícil descrição. Havia acabado de ler o belo artigo do professor Vladimir Saflate na Folha de S. Paulo de hoje (“O fim do emprego”), escrito com raiva pungente e contagiante, e visto, numa banca, a capa da última edição do jornal da família Marinho, tão abjeta quanto previsível.
Então me deparei com uma cena que me impressionou: dois camelôs – um homem e uma mulher – brigavam incessantemente, indo quase às vias de fato, por um palmo de espaço no vão da rodoviária, onde queriam expor suas mercadorias, em meio à pletora de vendedores ali instalados. Ele ofertava capas e carregadores de celular; ela expunha roupas femininas, shorts e blusas pelo que pude ver. A discussão parecia não ter solução à vista, pois não havia como decidir quem tinha mais direito àquele palmo em disputa. À volta deles, claro, formava-se um agrupamento crescente, com aquela passividade de curiosos (eu mesmo observava a cena num espanto imóvel), em meio ao quais se podiam adivinhar alguns olhares sedentos, de apostadores de galos de briga. Uns gaiatos imitavam sirenes de polícia; outros criavam uma onda de gritos abafados, como sopro de combustível no fogo em brasa.
Afastei-me dali sem saber como a coisa terminou. A bem da verdade, a coisa não termina: naquele lugar-síntese, por onde circulam diariamente milhares de trabalhadores pobres, os nossos palestinos que vão e voltam de Israel a cada jornada, a disputa intransigente, desesperada por um palmo de chão para vender mercadoria barata arranjada de contrabando expunha a precariedade que aí está, dando uma amostra do horror que se anuncia.