por: Janio de Freitas
A realidade não precisa de batismo nem definição, mas ambos tornam mais difundidas a sua percepção e compreensão. Esse é o auxílio que o país recebe de um tribunal do Sul, quando os fatos fora do comum se multiplicam e parecem não ter fim: a cada dia, o seu espetáculo de transgressão.
Foi mesmo um ato tido como transgressor que levou o tribunal, ao julgá-lo, a retirar a parede enganadora que separava a realidade de certos fatos e, de outra parte, a sua conceituação clareadora. Isso se deu porque o Tribunal Regional Federal da 4aRegião (Sul) precisou decidir se aceitava o pedido, feito por 19 advogados, de “processo administrativo disciplinar” contra o juiz Sergio Moro. O pedido invocou “ilegalidades [de Moro] ao deixar de preservar o sigilo das gravações e divulgar comunicações telefônicas de autoridades com privilégio de foro [Dilma]”. Parte das gravações, insistiu o pedido, foram interceptações “sem autorização judicial”.
Se, entre os 19, alguém teve esperança de êxito, ainda que incompleto, não notara que recursos contra Moro e a Lava Jato naquele tribunal têm todos destino idêntico. Mas os 19 merecem o crédito de haver criado as condições em que o Judiciário reconheceu uma situação nova nas suas características, tanto formais como doutrinárias. Nada se modifica na prática, no colar de espetáculos diários. O que se ganha é clareza sobre o que se passa a pretexto da causa nobre de combate à corrupção negocial e política.
De início era apenas um desembargador, Rômulo Pizzolatti, como relator dos requerimentos. Palavras suas, entre aquelas com que apoiou a recusa do juiz-corregedor à pretensão dos advogados: a ação do que se chama Lava Jato “constitui um caso inédito no direito brasileiro, com situações que escapam ao regramento genérico destinado aos casos comuns”. E o complemento coerente: a Lava Jato “traz problemas inéditos e exige soluções inéditas”.
O “regramento genérico” é o que está nas leis e nos códigos, debatidos e fixados pelo Congresso, e nos regimentos e na jurisprudência criados pelos tribunais. O que “escapa ao regramento” e, em seu lugar, aplica “soluções inéditas” e apenas suas, tem nome no direito e na história: Tribunal de Exceção.
A tese do relator Rômulo Pizzolatti impôs-se por 13 votos contra um único desembargador. Não poderia ser tida como uma concepção individual do relator. Foi a caracterização –correta, justa, embora mínima– que um Tribunal Federal fez do que são a 13a vara federal de Curitiba, do juiz Sergio Moro, e “a força-tarefa” da Procuradoria da República no sistema judicial brasileiro, com o assentimento do Conselho Nacional de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e dos mal denominados meios de comunicação.
Fazem-se entendidos os abusos de poder, a arrogância, os desmandos, o desprezo por provas, o uso acusatório de depoentes acanalhados, a mão única das prisões, acusações e processos: Tribunal de Exceção.