por: Samuel Pinheiro Guimarães

A política externa de um Estado é o conjunto de iniciativas e de reações de suas agências políticas, econômicas, militares e de inteligência em relação a outros Estados.

O objetivo da política externa é promover e defender os interesses nacionais do Estado, tais como definidos pelo Governo do momento.

A ideia de política externa como “política de Estado” supõe que seria possível definir interesses nacionais permanentes, acima das visões e da orientação política dos diversos partidos e segmentos de uma sociedade.

Na realidade, as diversas classes, setores, segmentos da sociedade têm visões distintas dos interesses nacionais brasileiros.

A política externa de um Estado, em um determinado momento, na medida em que ela necessariamente implica uma maior proximidade, cooperação e aliança formal ou informal, com determinados Estados, e de afastamento e oposição a outros Estados, se torna de interesse para os diferentes segmentos da sociedade deste Estado devido aos vínculos políticos ou econômicos ou ideológicos desses segmentos com outros Estados e sociedades.

Cada iniciativa ou reação de política externa torna-se um tema de debate político em cada sociedade. Ocorre, assim, uma disputa ideológica para formar a opinião pública em geral e a opinião das diversas elites no que diz respeito aos outros Estados e aos temas em disputa em cada momento.

Neste sentido, os órgãos de comunicação de massa passam a ter uma influência importante ao defender certas visões e interpretações do mundo e de eventos específicos e ao procurarem influir sobre as organizações sociais e sobre as agências do Estado no sentido de orientar a política externa em favor das posições e iniciativas de outros Estados, em especial quando as Grandes Potências estão envolvidas.

O grau de influência e eficácia das iniciativas e das reações da política externa de um Estado depende de seu Poder.

O Poder de cada Estado decorre de sua população em termos de dimensões, características e grau de coesão; da diversidade e autonomia de seu sistema econômico; da autoestima de suas elites; de sua indústria de defesa e seu poder militar; de seu dinamismo tecnológico; de sua influência cultural e política nas sociedades dos demais Estados.

Um objetivo central da política externa deve ser, portanto, aumentar o Poder do Estado e da sociedade brasileira.

A política exterior brasileira tem de se fundamentar nos princípios de soberania, de integridade territorial, de desenvolvimento econômico, social e político e se guiar pela Constituição que, em seu artigo 4, define os princípios da política externa e, entre eles, o objetivo de promover a integração latino-americana.

Art. 4. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – Independência nacional;
II – Prevalência dos direitos humanos;
III – Autodeterminação dos povos;
IV – Não-Intervenção;
V – Igualdade entre os Estados;
VI – Defesa da paz;
VII – Solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – Concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações.

A política externa brasileira deve também reger-se pelos princípios da Carta das Nações Unidas, o mais solene e principal Tratado assinado pelo Brasil, expressos em seu Capítulo I.

Além dos princípios constitucionais e da Carta das Nações Unidas, a formulação e a execução da política externa do Brasil tem, de um lado, de considerar a localização geográfica do país, com seus doze Estados vizinhos, de fronteira ou de subcontinente; as extremas assimetrias entre o Brasil e cada um dos Estados vizinhos; a localização no Atlântico Sul em frente aos 23 Estados da África Ocidental; as extraordinárias dimensões territoriais, de população e econômicas do Brasil; suas disparidades internas de toda ordem; seus enormes recursos naturais e energéticos e, de outro lado, e simultaneamente, as circunstâncias de um mundo em que se verifica uma dinâmica contínua de grande concentração de poder econômico, político e midiático, com gigantescas empresas multinacionais, com políticas e normas internacionais de restrição à difusão do conhecimento tecnológico, com as Grandes Potências em crise econômica prolongada, com uma disputa, velada mas intensa, por hegemonia entre os Estados Unidos e a China, e crises e tensões políticas e militares.

Além dos princípios constitucionais e aqueles da Carta das Nações Unidas, a política externa brasileira deve se orientar, com firmeza e coerência, pelos objetivos de cooperação com os países subdesenvolvidos, de integração da América do Sul, de luta pela desconcentração de poder em nível mundial e de promoção da multipolarização, de defesa do multilateralismo e contra o unilateralismo e arbítrio das Grandes Potências, de defesa da paz e do desarmamento dos Estados altamente armados, do direito dos países subdesenvolvidos ao desenvolvimento, de luta contra o aquecimento global, de desenvolvimento econômico, da luta contra a pobreza.

A política externa se desenvolve em múltiplos campos de forma específica, mas inter-relacionada em negociações onde ocorrem articulações e alianças entre Estados e podem se verificar concessões cruzadas entre negociações distintas.

No campo político, que inclui as discussões e negociações no Conselho de Segurança sobre crises e disputas prolongadas e na Assembleia Geral da ONU sobre mais de uma centena de temas os mais diversos; nos organismos multilaterais e regionais, como a OEA e a UNASUL; no âmbito das relações bilaterais com Estados de toda dimensão, vizinhos ou distantes.

No campo militar, em que se desenvolvem negociações para o apoio a intervenções militares das Grandes Potências e para a limitação da produção e do comércio de armamentos, desde aqueles de destruição em massa às armas convencionais, e as negociações e acordos bilaterais sobre a produção e transferência de tecnologia de armas, como o submarino nuclear, e a participação em operações de paz.

No campo econômico, que inclui as negociações sobre o comércio multilateral e bilateral que envolvem todo tipo de produtos (agrícolas e industriais) e serviços; o comércio e os investimentos estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior; as normas no campo de investimentos, de propriedade intelectual, de solução de controvérsias e sobre integração econômica.

No campo ambiental, em negociações sobre o aquecimento global, sobre florestas, sobre desertificação, sobre a flora e a fauna, todas de grande interesse para o Brasil como país megadiverso, com numerosos e distintos biomas, alguns com processos de desertificação e sobre novas tecnologias de geração de energia.

No campo dos direitos humanos, em delicadas relações e negociações que envolvem as migrações e os direitos humanos de comunidades de imigrantes e descendentes; as relações com outros Estados cujas sociedades têm visões distintas daquelas que prevalecem no Brasil como aquelas que, por exemplo, admitem a pena de morte e a aplicam, como os EUA, ou cujo direito penal permite as mutilações físicas, como a Arábia Saudita

Limitar a política externa de um país com interesses tão distintos e tão complexos como o Brasil às questões de comércio internacional ou mesmo às questões econômicas reflete uma apreciação simples e inexperiente da sociedade, do Estado brasileiro e do sistema mundial e estará fadada ao fracasso e a grandes decepções e prejuízos.

Toda a política brasileira deve estar sempre fundada nos princípios de não intervenção, de autodeterminação, de defesa da paz e de cooperação respeitosa, sem tentativas de ensinar a nenhum Estado, país ou sociedade como deve se organizar, política ou economicamente, nem permitir que outros Estados venham a procurar influir sobre a organização da sociedade e do Estado brasileiros.

No processo de formulação da política externa, a primeira compreensão é a de que o Brasil é um grande Estado periférico, com uma economia subdesenvolvida do ponto de vista de seu mercado interno, de sua estrutura produtiva, da exploração de seus recursos naturais e uma sociedade com extraordinárias disparidades.

De outro lado, sendo um dos cinco maiores Estados do mundo em dimensões territoriais e demográficas, uma das dez maiores economias, com grande potencial econômico e político, porém subdesenvolvido, tem o Brasil a possibilidade real de vir a ser uma grande potência no sistema mundial.

As características e a situação radicalmente diferentes do Brasil em relação a várias das Grandes Potências e a resistência das Grandes Potências ao surgimento de novas Potências devido às mudanças que isto provoca inelutavelmente nas correlações de força em diversos temas e regiões, fazem com que os interesses brasileiros não sejam necessariamente em sua essência, e em todas as situações, compatíveis com os interesses estratégicos fundamentais das Grandes Potências.

As Grandes Potências, em geral, têm uma visão da economia mundial baseada na ideia da divisão internacional do trabalho de acordo com as vantagens comparativas.

Assim, segundo elas, os países altamente desenvolvidos devem ser fornecedores naturais de produtos industrializados e os países subdesenvolvidos da periferia devem ser os fornecedores de matérias primas agrícolas e minerais e importadores de produtos industriais.

Consideram as Grandes Potências que todos os obstáculos ao c0mércio internacional de produtos industriais e serviços (e aos fluxos financeiros) devem ser removidos para permitir o livre funcionamento das vantagens comparativas e a maior eficiência da economia mundial. Não aceitam, todavia, o livre comércio em agricultura alegando razões de soberania alimenta, ou ambiental, ou desertificação, na realidade simples protecionismo.

A evolução industrial e econômica do Japão, em condições em extremo adversas de solo e subsolo, em centenas de ilhas, na primeira metade do século XX, e a evolução desde 1979 da China, que se transformou de país exportador de matérias primas no maior produtor e exportador de produtos industriais mostram ser errônea a tese das vantagens comparativas.

As vantagens comparativas não são nem naturais nem fixas e sim artificiais e dinâmicas, em especial nos setores industrial e de serviços, podendo ser criadas e transformadas a partir das políticas que os Estados implementam para desenvolver suas economias.

As Grandes Potências têm uma visão oligárquica do sistema político/militar mundial.

De acordo com esta visão oligárquica, teriam elas o direito, consagrado na Carta das Nações Unidas, de serem responsáveis pela segurança e pela paz internacionais como membros permanentes do Conselho de Segurança, estando, ademais, acima da lei e do direito internacional por terem elas o poder de evitar até mesmo a mera discussão dos temas de seu interesse no Conselho.

Além de poder determinar quais Estados rompem a paz ou ameaçam a paz e autorizar sanções, inclusive armadas, e executar tais sanções, elas ocupam um papel central no sistema político/militar mundial.

Os cinco membros permanentes, em especial o P3 (Estados Unidos, Grã Bretanha e França) têm procurado ampliar a competência do Conselho de Segurança para incluir outros temas, como possíveis ameaças à paz e não apenas as ameaças de natureza militar.

As decisões do Conselho de Segurança têm de ser cumpridas por todos os Estados membros das Nações Unidas ainda quando não tenham participado do processo político de sua adoção.

Daí, à medida que se ampliam os interesses do Brasil nas mais distintas regiões do mundo, a importância vital da luta pela participação do Brasil no Conselho como membro permanente e da campanha pela sua candidatura e do apoio de outros Estados a ela, como já o declararam a França, a Grã-Bretanha, a Alemanha, a Rússia, a Índia, o Japão e dezenas de outros.

As Grandes Potências têm o direito de produzir e deter armas de destruição em massa, em especial as nucleares, direito que a si mesmas atribuíram através do Tratado de Não Proliferação Nuclear e de outros tratados. A opinião pública e mesmo os demais Estados consideram legítimo que possam desenvolver e utilizar sem restrições as armas mais sofisticadas e letais como robôs, bombas de urânio degradado, e drones e os instrumentos de guerra cibernética, aspecto fundamental de qualquer modalidade de guerra do presente e do futuro. A dependência dos sistemas produtivos civis de computadores e servidores faz com que seja possível paralisar a economia de um país à distância a partir da “invasão” dos sistemas de computação e informação, públicos e privados.

Ao mesmo tempo em que se armam cada vez mais, em especial na área da cibernética, estas Potências exigem dos países da periferia, subdesenvolvidos e desarmados, a obrigação legal de renunciar à pesquisa, ao desenvolvimento e à produção, ainda que apenas de urânio enriquecido para fins civis, e a abdicar da posse de todo tipo de arma a partir da ideia de que os países subdesenvolvidos são, em realidade, a verdadeira ameaça à paz mundial.

As Grandes Potências procuram consagrar sua visão econômica e política do mundo e seus privilégios através de tratados internacionais, em cuja negociação se apresentam como uma frente unida diante dos demais países, em especial aqueles subdesenvolvidos e periféricos.

Por outro lado, consideram fundamental a participação dos países subdesenvolvidos nestes processos negociadores para conferir a estes tratados um status superior por “representarem” decisões da comunidade internacional e, por outro lado, porque sua participação neste processo negociador e sua aceitação das normas resultantes é fundamental devido às características das soberanias nacionais em termos de elaboração e execução das normas jurídicas em seus territórios.

Este ponto é fundamental: para que as normas desejadas pelas Grandes Potências e por elas promovidas e divulgadas possam ter vigência em um Estado qualquer, por menor que seja, é necessário que este Estado participe e aceite os resultados daquela negociação, isto é, as normas inscritas naquele tratado.

Portanto, a negociação destes tratados, que apesar de específica reflete a composição geral de interesses entre grupos de Estados, é fundamental para estruturar o quadro internacional em que os interesses de curto, médio e longo prazo do Brasil tem de ser defendidos e promovidos.

As alianças com outros Estados são indispensáveis para qualquer Estado, mesmo para os mais poderosos como os Estados Unidos, para enfrentar com probabilidade de êxito as diferentes disputas de ordem política, econômica e militar e para as negociações internacionais.

Se estas alianças são importantes mesmo para os Estados mais poderosos são elas mais ainda para países subdesenvolvidos e menos poderosos política e militarmente como é o caso do Brasil e para a política externa brasileira.

Assim, apesar da diversidade de interesses que as próprias características do Brasil impõem como pais subdesenvolvido, de grande território e população, de grandes recursos naturais, de solo e subsolo, de grandes reservas de água, com grandes florestas e biomas, de megadiversidade, de desenvolvimento industrial significativo, de grande receptor de capitais, de ator indispensável em qualquer negociação internacional multilateral, é necessário compreender que o centro da política externa brasileira tem de ser a América do Sul; na América do Sul, o Mercosul; no Mercosul, a Argentina.

Um dos principais objetivos do Brasil e de sua política externa é construir condições que sejam propícias ao seu desenvolvimento econômico, social e político.

O desenvolvimento econômico e social de um país como o Brasil, que tem 83 % de sua população urbana; com uma agricultura que não emprega mão de obra em grande escala; com um setor de serviços subdesenvolvido; com grande necessidade de geração de empregos para absorver o crescimento da força de trabalho e os estoques de mão de obra subempregada, como são os 50 milhões de beneficiários do Bolsa Família, cujo rendimento mensal é inferior a 85 reais por mês, tem de ser baseado na industrialização, no setor industrial, base do desenvolvimento de todos os setores da economia.

Imaginar ser possível em um país com as características do Brasil construir uma economia e uma sociedade com base apenas na agricultura ou em serviços, limitados em termos tecnológicos, em uma suposta era pós-industrial, é um absurdo econômico, político e social.

A industrialização significativa necessita de economias de escala e, portanto, de mercados seguros que são os mercados regionais através de acordos que estimulem o desenvolvimento das empresas de capital nacional e atraiam, através de políticas adequadas, empresas estrangeiras e da ação do Estado para construir a infraestrutura e complementar a iniciativa privada.

Este mercado na América do Sul é o Mercosul, que congrega mais de 80% do PIB da região, com sua tarifa externa comum, com seu mecanismo de redução de assimetrias, o FOCEM, que permitiu a maior revolução da economia paraguaia que foi a construção da linha de transmissão Itaipu-Assunção.

Os países industrializados que desejam escapar de suas crises através do aumento de suas exportações desejam eliminar a tarifa externa do Mercosul para penetrar com seus produtos nas economias do Brasil e da Argentina.

Pelo fato de serem estes países altamente industrializados e suas empresas por definição mais competitivas, as possibilidades de desenvolvimento industrial das economias dos países do Mercosul, em especial da Argentina e do Brasil, seriam profundamente afetadas.

Os países da União Europeia, em troca da redução a zero das tarifas industriais do Mercosul e, portanto, do fim da tarifa externa comum, oferecem quotas de pequena importância (mas não para produtos importantes) para produtos agrícolas do Mercosul, em uma aplicação da teoria das vantagens comparativas, através de acordos de “livre” comércio.

O eventual acordo Mercosul- União Europeia seria, em realidade, o primeiro de uma série de acordos de livre comércio que seriam reivindicados pelos Estados Unidos, a China, o Japão.

Nestes acordos, de um lado, os países do Mercosul, em especial Brasil e Argentina, abririam totalmente seus mercados para os produtos industriais europeus, depois para os produtos dos demais países industrializados, muito mais competitivos e avançados tecnologicamente, mas também dariam assimétricas e falsamente reciprocas concessões em serviços, regras sobre investimentos e propriedade intelectual, compras governamentais, e , em troca, receberiam concessões, irrisórias, em produtos agrícolas.

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A possibilidade de atuação do Brasil em nível internacional depende em grande medida de sua capacidade de arregimentar aliados em especial entre países com características e desafios semelhantes, que são em geral os países subdesenvolvidos e periféricos, a começar pelos países de sua região, a América do Sul, mas também com os países da América Central e do Caribe.

Assim, na América do Sul devem ser mantidas, no interesse político e econômico do Brasil, relações de cooperação e de respeito com governos tão distintos quanto os da Colômbia, do Peru, do Chile, da Venezuela, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai etc.

As razões para a necessidade de manter relações de respeito e de não intervenção, além de facilitar a formação de alianças para negociações internacionais e participação nos foros multilaterais e regionais, como a OEA, a CELAC e a UNASUL, se encontram na existência de fronteiras extensas do Brasil com vários destes países; de populações brasileiras significativas em certos países vizinhos; de interligação energética , como Itaipu e o gasoduto Brasil-Bolívia; de compartilhamento da bacia hidrográfica e da floresta amazônica; do compartilhamento da bacia do Rio da Prata e do Aquífero Guarani. E, finalmente, pela importância estratégica do comércio bilateral e das relações de investimento com estes países.

O comércio do Brasil com os países desenvolvidos se caracteriza por ser um comércio de exportação brasileira de produtos primários e de importação brasileira de produtos industriais, o mesmo ocorrendo com o comércio com a China.

O comércio do Brasil com os países da América do Sul se caracteriza pela exportação principalmente de produtos industriais para estes países e pela importação principalmente de produtos primários e com estes países o Brasil tem grandes superávits comerciais.

Por outro lado, os investimentos de empresas brasileiras em países da América do Sul vêm se expandindo de forma significativa assim como os investimentos de empresas destes países no Brasil.

Na África se encontram 54 Estados, cerca de um terço dos Estados membros das Nações Unidas, cuja população deverá atingir mais de um bilhão de habitantes nos próximos anos. As perspectivas econômicas para África são em geral otimistas em termos de comercio e de investimentos e tanto os Estados Unidos como a China procuram ativamente desenvolver mecanismos de cooperação com os países africanos.

Os laços do Brasil com os países da África Ocidental, que são 23, em termos de transporte, investimento, comércio, defesa na medida em que a África se tornar uma região em acelerada expansão poderão se tornar muito fortes e os interesses econômicos e políticos do Brasil na África Ocidental serão muito mais densos.

Em comparação com outros Estados, em suas relações com os países da África Ocidental, o Brasil apresenta vantagens. O Brasil não foi uma potência colonial e foi, como os africanos, uma colônia europeia. O Brasil tem desafios semelhantes aos que têm os países da África nas áreas de saúde, educação, agricultura, segurança alimentar, periferias urbanas, florestas tropicais. O Brasil é um país com raízes africanas, com metade de sua população que se declara negra, sem discriminação racial legal e com políticas de promoção de igualdade racial. A identidade cultural e étnica une o Brasil aos povos africanos da costa ocidental. Os países africanos veem o Brasil como um país subdesenvolvido que está disposto a compartilhar os resultados de seu progresso tecnológico, sem impor condicionalidades políticas ou econômicas. O Brasil compartilha com a África o Atlântico Sul de forma pacífica, sem pretensões de domínio militar. Finalmente, o Brasil não está envolvido na política africana e se encontra assim equidistante em todas as disputas entre eles. Na área política, há necessário interesse brasileiro de cooperar em questões relativas à segurança do Atlântico Sul, em negociações sobre meio ambiente, florestas e mega-diversidade, sobre comércio na OMC e outros foros e sobre a reforma do Conselho de Segurança.

Nesse processo de expansão dos interesses brasileiros na África, é necessário acima de tudo uma política firme de respeito aos princípios de autodeterminação, de não intervenção e de não ingerência nos processos políticos internos desses países.

Assim, julgar que os esforços de aproximação com os países africanos, que remontam às épocas de Jânio Quadros, de João Goulart, de Costa e Silva, de Ernesto Geisel e de José Sarney, com o objetivo de diversificar exportações industriais (e para tal necessariamente entreter boas relações políticas), são fúteis ou ideológicos revela profundo desconhecimento da realidade mundial e dos interesses brasileiros.

O Brasil se encontra na área tradicional de influência dos Estados Unidos, que assim a definiu unilateralmente desde Monroe, sobre a qual os EUA acreditam ter uma posição privilegiada e a qual procuram “alinhar” politicamente através de acordos bilaterais e regionais como a OEA e absorver economicamente através de acordos de livre comércio que, em realidade, são acordos de integração dos países da América Latina na economia americana através da internalização de normas de política econômica que, de fato, impedem a execução de políticas de desenvolvimento econômico e de fortalecimento do capital nacional.

As relações do Brasil com os Estados Unidos se revestem assim de grande delicadeza, já que seus interesses e seus objetivos estratégicos na América do Sul não são necessariamente coincidentes com os brasileiros, e se constituem em desafio importante para nossa política externa.

Com os Estados Unidos, maior potência mundial sob todos os ângulos, e país com quem o Brasil tem as mais importantes relações comerciais, de investimento, de tecnologia e culturais deve ser exercida uma política de cooperação, como foram exemplos o caso do etanol; de respeito mútuo pela divergência, como no âmbito da Rodada de Doha, e de divergência, sempre que necessária, como ocorreu no episódio da ALCA e da política americana no Oriente Próximo.

A política externa brasileira deve dedicar grande atenção à Europa e na Europa à União Europeia, um dos polos de um sistema mundial multipolar. Com a Europa, o grau de cooperação que foi possível alcançar pode ser comprovado pelo extenso e diversificado comércio e os investimentos europeus no Brasil, pela cooperação em muitas negociações econômicas internacionais; pelo acordo de parceria estratégica com a União Europeia, tipo de acordo que a União Europeia tem com pouquíssimos países, tais como os Estados Unidos e a China; pelo programa de construção e transferência de tecnologia do submarino nuclear com a França; pela aquisição, construção e transferência dos aviões de combate Grippen com a Suécia; pela participação do Brasil no G4, com a Alemanha, o Japão e a Índia, para promover a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para democratizá-lo e torná-lo atual.

As relações com a China, a grande Potência emergente, são de especial importância como demonstra o fato de a China se ter tornado o principal parceiro comercial do Brasil, com crescentes investimentos no país; dos acordos celebrados, prevendo operações de valor superior a 54 bilhões de dólares; da participação, política e econômica, do Brasil, nos BRICS, no Banco dos BRICS, no Acordo Contingente de Reservas e no Banco Asiático de Infraestrutura; pela competição chinesa com o Brasil nos mercados da América do Sul e por sua posição como importante parceiro econômico destes países.

No Oriente Próximo, o Brasil procurou se aproximar dos países da região através das reuniões entre a América do Sul e países árabes, com excelentes resultados políticos e econômicos para todos os Estados que delas participaram. Ao mesmo tempo, o Brasil reconheceu a Palestina como Estado, condenou os ataques a Gaza e os atentados terroristas, de qualquer procedência em qualquer lugar, e manteve sua posição de defender a existência de dois Estados independentes na Palestina e sua oposição ao processo de anexação gradual e pela força de territórios palestinos por Israel. A iniciativa exitosa do Brasil e da Turquia de negociação de acordo nuclear com o Irã mostrou a capacidade da política externa brasileira de conseguir soluções onde outros Estados, tão mais poderosos, haviam fracassado durante tanto tempo.

A luta pela reforma da Organização das Nações Unidas, em especial para ampliar e democratizar de seu Conselho de Segurança, em companhia da Índia, do Japão e da Alemanha; o apoio de dezenas de Estados à candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho; a ativa e protagonica participação do Brasil nas conferências mundiais de natureza social e econômica; a luta pela reforma dos organismos financeiros internacionais e a participação no G20 financeiro; a criação do Conselho de Direitos Humanos e a luta contra a utilização seletiva e política desses direitos; a participação como membro não permanente em um número de vezes maior do que qualquer outro Estado no Conselho de Segurança, sempre em defesa da paz e da segurança, demonstram a credibilidade e o respeito conquistados pela política externa brasileira através dos anos, em paciente trabalho de sua diplomacia.

Estas reflexões não pretendem nem poderiam abarcar toda a complexidade dos desafios da construção de uma sociedade desenvolvida, democrática, justa e soberana. Porém, talvez possam contribuir para mostrar que, como disse Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes, assim como não é, nem pode ser, a política internacional e a política externa de um País como o Brasil.

Brasília, 16 de agosto de 2016