Por J. Carlos de Assis
Contemporâneos de minha geração tiveram o privilégio de ler diariamente, nas páginas da velha “Última Hora”, a coluna do inesquecível Stanislaw Ponte Preta. Era uma verdadeira catarse em face do besteirol produzido pela ditadura militar nos anos de 64 a 68. Acho que foi nesse último ano, às vésperas da atrocidade do AI-5, que Ponte Preta (Sérgio Porto) morreu, escapando de uma perseguição política que seria certa. Antes, porém, ele deixou o legado de uma crítica humorística ferina e incomparável da atuação dos militares que haviam usurpado o poder político no país. Essa crítica jamais seria ultrapassada.
Os anos 60 eram, ao lado do tempo da ditadura, o tempo dos festivais. Ponte Preta criou então o Febeapá, Festival de Besteira que Assola o País. Recolhia diariamente e publicava a imbecilidade produzida na gestão do governo pelos generais e coronéis de plantão e despejada sobre o povo brasileiro através de portarias, leis e decretos, ou ainda através de ordens para a censura. Vindo ao tempo presente, porém, não encontro, de memória, um único fato introduzido no Febeapá que se compare a esse verdadeiro monumento à estupidez e inutilidade judicial que é a investigação do “sobrinho da primeira mulher de Lula envolvido com a Odebrecht”!
Estamos assistindo, pasmos, a uma grande mobilização policial, de procuradores e de juiz, todos ganhando salários e vantagens extravagantes – e por isso custando os olhos da cara à República, já estropiada por uma recessão que eles próprios produziram na Lava Jato – , para procurar chifre na cabeça de cavalo. É que a possibilidade de um sobrinho da ex-mulher de Lula ter alguma coisa a ver com corrupção é absolutamente nula, e, caso exista, não tem absolutamente nada a ver com o próprio Lula. São relações privadas entre a Odebrecht e o sobrinho da ex-mulher, que só uma investigação politicamente orientada poderia tomar como suspeitas.
A investigação do “sobrinho da primeira mulher de Lula” – uma pessoa sem nome, mas que não obstante tem direito a insistentes chamadas da tevê Globo e longa exposição nessa emissora -, está na categoria de eventos dignos de aparecerem em lugar de destaque no neoFebeapá, o Febeapá da Lava Jato. Entretanto, não é tão humorístico como na primeira fase do governo militar. É um ato de perseguição grotesco, que denota o fracasso nas investigações midiáticas anteriores relativas ao chamado tríplex e ao sítio, nenhum dos dois nunca se provou pertencer a Lula. Como não conseguiram essa prova, catam cabelo na casca de ovo, para não se desmoralizarem completamente.
Na verdade, esses Torquemadas tupiniquins, adestrados pelos torturadores norte-americanos nas delações premiadas, estão desesperados por reconquistar na televisão o espaço perdido para o impeachment, assim como para justificar a perseguição policial, judicial (procuradores e juiz) e midiática que promoveram contra o ex-presidente mais popular do país depois de Getúlio, e, para os pobres, no mesmo patamar de Getúlio. Para destruí-lo é preciso ir fundo, segundo os procuradores-policiais. É preciso, ao que parece, investigar todos os presídios do país para verificar se, entre os bandidos, encontram algum DNA de Lula. Esse bandido será então proclamado comparsa de alguma “organização criminosa” chefiada pelo ex-presidente!