por: Luiz Alberto Gomes de Souza
Começa um ministério com apenas 180 dias certos até agora, numa sexta-feira 13. Para os supersticiosos é um início aziago. Temer começou há um bom tempo, tentando costurar sua equipe. Os meios de comunicação favoráveis a ele falavam ao princípio, de um “ministério de notáveis”. Mas logo se viu, como nunca, um loteamento (lotizazzione, hábito em certa política italiana), com cargos para atender apetites, sem conseguir totalmente, tanta era a sede por postos na nova coalizão, boa parte da qual migrou, por oportunismo, do governo Dilma. É o problema das políticas de coalizão, com tantos partidos, ávidos de poder. O PMDB é situação em qualquer momento político. Os nanicos procuram espaço. O PPS renegou o velho passado do partidão (que, aliás, foi por vezes oportunista). Entre os políticos favoráveis ao impeachment, Cristovão Buarque mudou de lado talvez não refeito da maneira como deixou de ser ministro. Marta Suplicy não esconde sua ambição de voltar à prefeitura (afortunadamente, nas pesquisas, Erundina está na frente).
Nas semanas que passaram, ministros eram anunciados e logo em seguida desapeados da indicação. Um evangélico, o pastor Marcos Pereira, do velho criacionismo de uma leitura literal e errônea da Bíblia, iria para o Ministério de Ciência e Tecnologia, com suas ideias retrógradas. Newton Cardoso Jr. foi vetado, por sua juventude e falta de experiência, por generais e coronéis na casa dos sessenta anos. Ele substituiria seu pai que caíra na ficha limpa. Acabou indo para lá Raul Jungman, do PPS, com passado de esquerda que renegou.
Falava-se de diminuir drasticamente os 32 ministérios, para cerca de 11, logo aumentavam para23, tantas eram as demandas afoitas. Foi necessário fazer fusões, algumas discutíveis. Em 1963, trabalhei no Ministério de Educação e Cultura (MEC), como assessor do ministro, com Betinho, e pude constatar o pouco espaço dos problemas culturais, espremidos pelas enormes diretorias da educação. Ao serem separados, mais adiante, a cultura ampliou seu campo de atividades e influência. Vai encolher novamente? E a Previdência, afogada dentro da Fazenda, no feudo de Henrique Meirelles, aliás por 8 anos no governo Lula? Os critérios para equacioná- la serão provavelmente econômicos, no ajuste e nos cortes, sem levar em conta as exigências legítimas dos usuários.
Fica a dúvida sobre o Ministério das Relações Exteriores, agora engordado com a política de comercio exterior, por pressão de José Serra. Pode-se sentir um plano no continente, não tão velado, para mudar as prioridades, perdendo força o MERCOSUL, a UNASUL e, entre nós, os BRICs. Voltará o velho alinhamento com a potência do norte, como “satélite privilegiado”, na concepção de Golbery do Couto a Silva? O primeiro presidente a saudar o governo Temer foi o argentino Mauricio Macri, que evoluciona nesse sentido. O candidato de Cristina, Daniel Scioli, ia em direção contrária. E prepara-se um pós-Maduro e, quem sabe, logo um pós-Correa e um pós-Morales. Não serão necessárias mudanças no México; já está alinhado. As transformações desenhadas parecem ter assim uma certa coordenação. Já o errático Jânio falara de política externa independente. E foi a tônica dos últimos anos, graças a Celso Amorim e a Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Como será apoiada a presença do Brasil no Banco de Desenvolvimento dos Brics, com um vice-presidente em Xangai, Paulo Nogueira Batista Jr?
Não esqueçamos que essa nova base aliada tem 58 parlamentares investigados pela Lava Jato. Apesar de afirmações em contrário nestes primeiros dias, ela não poderá perder força? Vários são candidatos à ficha-suja. Aécio Neves, Cássio Cunha Lima e Alkmin, novos aliados do PSDB que entraram na coalizão talvez, na penumbra, poderiam trabalhar para que inquéritos e investigações percam força.
Como reagirá este ministério biônico, de um governo sem votos populares, diante do clamor das ruas e dos movimentos sociais? A truculência policial em São Paulo é um mau presságio.
Enfim, é tempo de seguir na mobilização social e, no que repito sem cessar, em consonância com a Frente Brasil Popular, a Frente Brasil sem Medo, o MST e lideranças religiosas: há que ir trabalhando, nos próximos 180 dias, nas próximas eleições municipais, naquelas de 2018 e, mais ainda, num processo que se estende adiante, na formação de uma Frente Ampla Democrata e Nacional. Políticos os mais diversos como Tarso Genro, Luíza Erundina, Flávio Dino, Jandira Feghali, Jorge Viana, um incansável Lindberg Farias e outros companheiros do PC do B, do PSOL, do PDT e do PT provavelmente se uniriam a esse movimento, que teria de ter as bases sociais como eixo, no repensamento de uma democracia representativa, que tem dados tristes sinais nas últimas votações do impeachment. Haveria que articular-se com uma democracia participativa, como pede Boaventura Sousa dos Santos, com o fortalecimento de plebiscitos e referendos e com a possibilidade de depor mandatários (o famoso “recall”, com um termo ainda sem boa tradução). Tivessem já sido instituídos e não teríamos a imagem deprimente que demos ao mundo nas últimas semanas.