por: Francisco Hardman
Agora tudo ficou claro. Sergio Moro, o juiz-mor da Lava Jato, queria só fazer jus ao título de grande agitador das massas. Subversivo, para ninguém duvidar: o novo campeão da “agitprop”.
Na Operação Lava Jato, a perícia é instalar uma máquina inquisitória interminável, a serviço dos mesmos poderes que já comemoram a próxima derrubada do governo e a destruição de seu oponente mais difícil. Aqui não se ouve, prende-se. Aqui não se solta, extrai-se delação. Aqui não se ajuíza, panfleta-se. Que o timing concatenado de seu vazamento fabricará a “verdade” do dia.
Eduardo Cunha, presidente da Câmara, inventou as pautas-bombas para livrar a própria cara e permanecer onde está. O juiz-mor faz da agitação processual sua bomba de efeito moral, mesmo que às custas do atropelamento de qualquer legalidade. Contra os agentes do poder estatal que se protegem na sombra, a sombra de um grampo transparente em sua obscuridade.
Quando representantes oficiais da Justiça assumem a ideologia da transparência total, que qualquer aluno de primeiro ano de linguística sabe ser falsa, é certo que haverá tantos outros interesses escusos, tantos outros partidarismos em trama.
Dos mitos redivivos da “Mani Pulite” (mãos polidas, limpas) e de Watergate, mal se disfarça a obsessão em fazer do inquérito um desfile de fases intermináveis em sua nomeação/enumeração, que parecem ser pilar de uma instância autônoma do poder policial-judiciário condenada a se propagar sem meta final, requisito de qualquer investigação de interesse público.
A Lava Jato é o “Processo” de Kafka feito para se eternizar, meta que agentes de uma Justiça e uma polícia autorreferentes cobiçam como sonho autocrático. E que é afinal populista, porque ancorada na publicidade extremada, na sensação dos segredos palacianos expostos, na humilhação do ex-presidente Lula, que deve voltar às origens de onde nunca deveria ter saído, para a sanha dos que não o vencem nas urnas.
E Brasília? O país deve assistir agora ao inusitado processo dirigido por um Congresso de réus, encabeçado por duas figuras de forte matiz delinquencial –os presidentes da Câmara e do Senado.
Isso não importa? Para a bazófia oportunista do grão-tucanato, certamente não. Mais vale um poder central na mão, nesse atalho cômodo, no cálculo das poucas dezenas de deputados venais que faltam para o butim, do que ter que correr atrás, daqui a dois anos, de mais de 50 milhões de votos.
Aécio Neves, o inconformado, o neto que faria Tancredo, o legalista, corar, trocou o programa eleitoral que nunca teve pela sala de espera do impeachment. Já o vice-presidente, Michel Temer, agora incensado pelos sonhos igualmente golpistas de José Serra, parece não ter o que temer. A Fiesp o resguarda; Cunha, réu unânime no STF (Supremo Tribunal Federal), idem. Orquestrados, todos.
E a Justiça populista subversiva vai iludindo as massas ignaras com o mito do justiceiro contra o dragão da corrupção: um caçador de marajás de capa preta. Já vimos esse filme antes.
Michel Temer poderá assim vestir a faixa que lhe cabe, não a de chacal, por favor, mas a de pacificador popularíssimo como um bolero bolorento.
Se a política degenera, pré-condição da emergência do fascismo de cada dia, de cada rua, isso já não é com os técnicos da toga ou da pura propaganda. E as “Mani Pulite”, nessa lenda urbana do juiz-mor e de sua operação sem fim, vão se mostrando, irremediavelmente, mãos polutas, calcadas naquilo que nenhum conceito de justiça contempla: manipulação.
O resto se chama tragédia brasileira. Quem responde por ela assim, convertida numa Grécia impensada, sem ruína e sem misericórdia?
FRANCISCO FOOT HARDMAN, 64, doutor em filosofia pela USP e professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, é atualmente responsável pela cátedra em história da cultura brasileira na Universidade de Bolonha (Itália)
Fonte: Folha de São Paulo