por: Valton de Miranda Leitão

O clássico de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, é talvez a maior legitimação do liberalismo brasileiro. Tal visão mostra o Estado como sendo corrupto e vicioso, desde sua origem na Coroa Portuguesa. As maiores virtudes estão colocadas na iniciativa privada, ao lado da elite estamental que o bandeirantismo paulista teria consolidado.

A compreensão liberal burguesa não é nova, e Adam Smith já a havia colocado em 1776, tendo Max Weber ampliado sociologicamente com sua ética da prosperidade científica e da busca do prazer individual, sem muitas considerações afetivas.

O protestantismo ascético foi nos EUA o ingrediente cultural que mais catalisou o pensamento weberiano da busca de poder patrimonial e prestígio, baseados na disciplina e na ordem que a religião emprestava ao grande empresário.

O casamento entre religião e sociologia política, acontecido já na fundação do Estado norte-americano, sempre esteve presente no mundo, mesmo depois que a maioria dos países adotou constituições laicas. A cultura brasileira sempre idealizou a pujança econômica e a ordem política estadunidense como modelo a ser seguido sem nenhuma consideração pela sua histórica belicosidade, domínio militar de outros povos, terrorismo diplomático, espionagem e auxílio a todas as ditaduras alinhadas a Washington.

O liberalismo conservador brasileiro, fortemente vestido de roupagem religiosa, agora avança com força e se manifesta politicamente, afirmando-se como portador de uma ética radical que pretende extirpar a corrupção da vida nacional!
São Paulo é o centro de irradiação desta visão, mas também do que Jessé Souza chama de racismo culturalista, no qual negros e nordestinos são vistos como inferiores, do mesmo modo que os anglo-saxões consideram moral e cognitivamente incompetentes, os latino-americanos.

O uso pelos donos do poder conservador direitista de setores da polícia, da política e do judiciário, turbinados pela grande imprensa não é novidade no Brasil, quando o objetivo é destruir avanços sociais das classes desprivilegiadas para manter privilégios injustos. Nessas circunstâncias, incrementa-se o ódio da classe média e busca-se um bode expiatório, fazendo da corrupção o bordão, tornando bancos e mercados, paradigmas de honestidade e quase santidade.

As campanhas virulentas contra Vargas e JK, no passado recente, foram exatamente do mesmo tipo, levando o primeiro ao suicídio e o segundo a uma morte não esclarecida.
A destruição do maior líder popular que o país já conheceu, Lula, encobre o plano mais amplo de destruir o conjunto da esquerda, impedindo inclusive sua influência nos processos eleitorais de 2016-18. Os doutos jurisconsultos constituíram um verdadeiro oráculo, que não é em Delfos, mas em Curitiba, e suas arrasadoras condenações antes do julgamento, são pronunciadas pela boca de delatores “alcagüetes”, que se desmentem uns aos outros para que no final o sumo sacerdote, juiz togado, pronuncie o veredicto (verdade absoluta)!

A construção artificiosa da verdade é negação da ética.