por: Sérgio Sévulo

Ao dispor sobre a responsabilização do presidente da República, a Constituição brasileira (1988) mandou que se editasse uma lei, definindo os crimes de responsabilidade, e estabelecendo as normas do respectivo processo e julgamento (art. 85, parágrafo único).
Essa lei não foi feita até hoje.

No processo de responsabilização do presidente Collor (1992), aplicou-se a lei 1.079/1950, editada na vigência da Constituição de 1946. Provocado pelo acusado, em mandados de segurança, o STF entendeu que essa lei poderia ser aplicada, a não ser nos pontos em que fosse incompatível com a Constituição de 1988.

O mesmo poderá ser dito agora, no processo de responsabilização da presidente Dilma.
Alega-se também que essa lei é lacunosa; por exemplo: ela não diz como se elegem os membros da Comissão Especial da Câmara, se por voto ostensivo ou por voto secreto. Parece-me que, seja havendo, seja não havendo, tecnicamente, o que se chama de lacuna, incide na hipótese o Regimento Interno da Câmara, que manda utilizar, em toda eleição, o voto secreto. O que está discussão não é qual o sistema mais conveniente, mas qual a norma que incide.
Durante seu processo de responsabilização, o presidente Collor impetrou cinco mandados de segurança perante a Suprema Corte. Como é sabido, o mandado de segurança é uma garantia individual, assegurada constitucionalmente, para a defesa de direito líquido e certo ofendido por ato de autoridade.

Acontece que no dia 3 de dezembro último, o Partido Comunista do Brasil ajuizou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (esse instrumento de controle da constitucionalidade, que só pode ser utilizado perante o STF, não estava disponível em 1992, e só veio a ser disciplinado em 1999, com a lei 9.882).

Em longa petição (74 páginas), depois de apontar várias inconsistências da lei 1.709, o PC do B formulou seu pedido, que assim resumiu: “o propósito da presente ADPF é, sobretudo, pedir que a Corte realize a adequada harmonização entre os sistemas constitucional e legal, esclarecendo quais normas se mantêm em vigor e quais foram revogadas, bem como a forma como as remanescentes devem ser interpretadas para se adequarem ao que dispõe a Constituição da República.”
Esse pedido desdobra-se em dezesseis itens, cada um dos quais exigirá acurado exame por parte dos senhores ministros, no momento do julgamento. Ao apreciá-lo, o STF não excederá sua competência se não inovar normativamente, limitando-se a estabelecer a harmonização que está sendo requerida.
Entretanto, o que irá a julgamento na 4ª. feira, dia 16, não é a ADPF em sua totalidade, mas apenas uma parte, embutida nela, em que se pede uma medida cautelar, a qual, por sua vez, se desdobra em onze itens. Também irão a julgamento dois outros pedidos de cautelar, ajuizados posteriormente. Entre eles se inclui a questão do voto, e outra, que vem sendo realçada na imprensa, sobre a indicação dos membros da Comissão Especial da Câmara (se pelos partidos, se pelos blocos partidários reconhecidos).

Também se pede que o curso do processo, na Câmara, seja sustado até a decisão do STF sobre essa matéria. O ministro Fachin, relator da ADPF e das medidas cautelares, concedeu essa suspensão até o dia 16, mas certamente esse prazo será prorrogado, porque o STF dificilmente conseguirá concluir o julgamento em uma única sessão. O ministro Fachin também manteve os atos praticados até aqui pelo presidente e pela Mesa da Câmara, mas também essa matéria será discutida.

O melhor cenário é que as medidas cautelares sejam decididas com presteza, de modo que possa prosseguir, em breve tempo, o processo de responsabilização. O pior cenário é um omelete homérico, que projete para todo o ano de 2016, tanto o processo de responsabilização quanto a instabilidade política que estamos vivendo, com reflexos nefastos na economia.