Por não saber reagir à crise do caso Waldomiro Diniz, assunto comentado exaustivamente neste espaço nas últimas semanas, o governo vai pagar R 300 milhões aos deputados federais pela votação na semana que vem da MP (medida provisória) que proíbe o funcionamento dos bingos no Brasil.
Esse é valor que o governo pretende liberar imediatamente em emendas parlamentares a fim de contornar a primeira rebelião pós-caso Waldomiro que enfrentou na Câmara dos Deputados.
Dos 7 principais partidos que apóiam o governo no Congresso, 4 chantagearam explicitamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana. Simplesmente disseram que não votariam a MP dos Bingos, que estava na pauta da Câmara. Essa MP é a principal resposta legislativa e política à crise do caso Waldomiro, pois tenta mostrar que o governo não tem rabo preso com a jogatina.
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que vinha entoando o discurso de que a crise não afetara o Congresso, teve de correr ao Palácio do Planalto, conversar com o presidente e fazer uma reunião de emergência para acalmar os aliados.
O episódio é uma pequena amostra do que está por vir.
Até agora, Lula vinha nadando de braçada no Congresso, mas apareceu um caso Waldomiro no meio do caminho. Sentindo a fraqueza do governo e particularmente do ministro José Dirceu (Casa Civil), os aliados não tiveram dúvida. Sustaram a votação da MP para tentar ganhar uns trocados _filme antigo, já visto em outros governos.
Esses R 300 milhões são café pequeno. A reivindicação dos parlamentares é que o governo libere para cada um deles R 4,7 milhões em emendas, levando em conta os anos de 2002, 2003 e 2004. Dá, no total, R 2,8 bilhões.
Elementar: dificilmente os R 300 milhões bastarão. Mas servem, claro, para uma votação importante, a da MP dos Bingos. Outras virão, e Lula estará sempre na posição de ser chantageado porque paga o preço de um desgaste natural (o escândalo Waldomiro em si), mas também o de um desgaste desnecessário (manutenção do ministro Dirceu no posto e operação para abafar uma CPI no Senado).
Por isso, é atualíssima a frase de Lula dita em 1993 no governo Itamar Franco, ao comentar o escândalo da CPI do Orçamento. Na época, ele afirmou que havia “300 picaretas” no Congresso. Abaixo, segue a letra de “Luiz Inácio (300 picaretas)”, música do grupo “Paralamas do Sucesso” inspirada no clarividente comentário de Lula:
“Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou
São 300 picaretas com anel de doutor
Eles ficaram ofendidos com a afirmação
Que reflete na verdade o sentimento da Nação
É lobby, é conchavo, é propina e jetom
Variações do mesmo tema sem sair do tom
Brasília é uma ilha, eu falo porque eu sei
Uma cidade que fabrica sua própria lei
Aonde se vive mais ou menos como na Disneylândia
Se essa palhaçada fosse na Cinelândia
Ia juntar muita gente pra pegar na saída
Pra fazer justiça uma vez na vida
Eu me valia deste discurso panfletário
mas a minha burrice fez aniversário
Ao permitir que num país como o Brasil
Ainda se obrigue a votar, por qualquer trocado
Por um par de sapatos, por um saco de farinha
A nossa imensa massa de iletrados
Parabéns coronéis, vocês venceram outra vez
O Congresso continua a serviço de vocês
Papai quando eu crescer, quero ser anão
Pra roubar, renunciar, voltar na próxima eleição
E se eu fosse dizer nomes a canção era pequena
João Alves, Genebaldo, Humberto Lucena
De exemplo em exemplo aprendemos a lição
Ladrão que ajuda ladrão ainda recebe concessão
De rádio FM e de televisão…
Fonte: Folha On Line
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.