“A Lava Jato pode destruir as bases da geração de energia, e com isso inviabilizar o desenvolvimento do país. Coincidência ou não, isso atende aos objetivos de potências estrangeiras que não desejam nossa afirmação como Nação”, diz em entrevista ao 247 o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral. Comentando a investida da operação comandada pelo juiz Sergio Moro sobre as empresas do setor elétrico, já chamada de “eletrolão”, e sobre o projeto do submarino nuclear, Amaral diz que isso representará uma verdadeira “depredação nacional”, atingindo inclusive a política de defesa.
Com a Operação Radioatividade, que prendeu o pai do programa nuclear brasileiro, o ex-presidente da Eletronuclear Othon Pinheiro da Silva, já é certo novo atraso no cronograma da terceira usina nuclear do país, Angra 3. Sua produção será importante para o abastecimento do Rio de Janeiro, liberando energia de outras fontes para o resto do pais. As investigações no setor elétrico começaram pela área nuclear por conta de revelações do executivo da Camargo Corrêa Dalton Avancini mas o alvo claro da Lava Jato são as 15 empresas ligadas à holding Eletrobrás, que tocam obras gigantescas como as usinas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte.
– E com isso as três fontes mais importantes da matriz energética brasileira serão atingidas – completa Amaral.
O juiz Moro, num artigo já muito citado depois que ele se tornou tão célebre, endossou a tese do juiz da operação italiana Mãos Limpas, Giovanni Falcone, de que o combate à corrupção exige da deslegitimação dos políticos e partidos envolvidos para que algo novo surja na política. Moro e os procuradores sabem que o PMDB é o partido mais fortes no setor, seguido do PT, e acreditam que esta investida poderá produzir mais “deslegitimações” políticas. As empreiteiras são basicamente as mesmas que atuaram em obras da Petrobrás e já estão gravemente feridas. Mas para a Lava Jato, os “agentes políticos” ainda não foram devidamente castigados.
Roberto Amaral, que não é do PMDB nem do PT, mas do PSB (por enquanto, por conta de brigas internas), diz que longe dele defender a tolerância com a corrupção. Estranha porém que os métodos empregados sejam sempre “depredadores”.
– Será que não é possível combater corruptos e corruptores sem comprometer as empresas responsáveis pelos mais importantes projetos de geração de energia e de infraestrutura? Não será possível separar pessoa física de pessoa jurídica? Com esta depredação, o Brasil perderá anos na caminhada para o desenvolvimento e daqui a pouco estarão chegando aqui navios chineses cheios de operários, como na África, para assumirem as grandes obras. Todos nós sabemos que o capital internacional sempre cobiçou o setor de serviços no Brasil.
Ele cobra também do governo mais agilidade na criação de condições para que as empresas atingidas possam se reestruturar. “Por que não algo como o Proer que o Fernando Henrique fez para salvar os bancos? O filho do Magalhães Pinto foi preso e processado mas o espólio do Banco Nacional foi salvo e vendido ao Unibanco. Por que demoram tanto com os tais acordos de leniência? Não compreendo que estejamos assistindo tão passivos à depredação do que já foi acumulado”.
O projeto do submarino nuclear, que também será investigado, Amaral destaca como elemento fundamental da política de defesa nacional e muito importante para a própria exploração do pré-sal. Fruto de um acordo entre Brasil e França, teve as obras do estaleiro de Itaguaí subcontratadas pelos franceses à Odebrecht. E foi isso que chamou a atenção da Lava Jato, embora até agora não tenha sido apresentada qualquer irregularidade.
A devassa no setor elétrico, entretanto, já começou. Há meses o TCU investiga contratos das grandes hidrelétricas a pedido do Ministério Público. A prioridade pedida foi para contratos envolvendo 25 empresas que apareceram nas investigações sobre a Petrobrás. Serão investigadas também as SPEs (Sociedades de Propósito Específico), que são empresas de natureza privada, com participação de estatais, fundos de pensão e construtoras privadas, para a execução das grandes obras. Todas as usinas da região Norte estão sendo construídas por SPEs, como a Norte Energia, que administra e executa a obra de Belo Monte.
E se os políticos e partidos estão na mira nova da Lava Jato, a crise política não arrefecerá tão cedo. Pelo contrário, pode se agravar. Depois, será preciso juntar os cacos do Brasil.
Tereza Cruvinel O senhor acha que este avanço da Lava Jato sobre o setor eletrico, além dos danos economicos irá também realimentar a crise política, na medida em que outros politicos podem ser atingidos?
Roberto Amaral Com a ressalva de que é muito difícil prever os desdobramentos de uma crise política quando observada em seu ápice, penso que a atual não ultrapassará setembro: o país está parado e as forças produtivas (governo, trabalho e capital) precisam de um mínimo de tranquilidade (ordem jurídico-econômica) para realizar seus fins. Mas tudo está a depender das denúncias que o procurador Janot oferecerá ou não. A inacreditável prisão do Almirante Othon é um fato novo que pede reflexão.
Tereza Cruvinel No momento atual, acha que a crise ainda pode levar ao afastamento da presidente, seja por impeachment ou cassação da chapa pelo TSE?
Roberto Amaral Não. O impeachment depende da prévia comprovação de um ilícito da presidente, o que não está na ordem do dia. As contas de campanha já foram julgadas. A tese só interessa à tucanagem, que quer reverter no tapetão o resultado negativo das eleições democráticas de 2014. Mas o Brasil não é (mais) uma republiqueta. O empresariado está preocupado em realizar seus lucros e por isso mesmo mais interessado na normalidade constitucional-administrativa. Por que trocar Dilma por Temer ou Dilma Temer por Cunha-Calheiros? Quem tem coragem de pensar nisso?
Tereza Cruvinel O senhor continua no PSB mas não vejo seu partido tão engajado na defesa da democracia e na condenação ao golpismo? O senhor se sente confortável no PSB depois das divergências publicas?
Roberto Amaral O desconforto é notório e não o minimizo. Sinto-me honrosamente distante da atual direção que cometeu, por oportunismo político, uma felonia ideológica, traindo a história do partindo, negando a opção de esquerda e conspurcando a bandeira socialista. O oportunismo neste caso se soma à burrice: retirando-se do campo da esquerda a troika que hoje manda no partido fechou suas portas a centenas de quadros socialistas que hoje estão à míngua de opção partidária.
Tereza Cruvinel Falou-se na refundação de uma frente de esquerda, como a antiga Frente Brasil Popular que reunia PT, PSB e PC do B. Ela ainda é possivel? o senhor apoia?
Roberto Amaral Não. Não vejo sentido numa frente de esquerda, nem numa frente de partidos e muito menos na reedição da Frente Brasil Popular, hoje superada historicamente. Ela tinha sentido em 1990 logo após as eleições, quando proposta por nós foi rejeitada pelo PT. Defendo uma frente ampla, nacional e popular aberta aos partidos mas nascida do movimento social, que congregue a esquerda mas congregue também os liberais e os progressistas e os democratas de um modo geral, apta a fazer frente ao avanço do pensamento conservador, à defesa da integridade do mandato da presidente Dilma, à defesa do desenvolvimento com distribuição de renda e à defesa dos interesses nacionais.
Tereza Cruvinel Como podemos sair da crise politica e economica?
Roberto Amaral Mediante um pacto em torno de dois princípios básicos: governabiidade e retomada do desenvolvimento com dstribuição de renda. Esse pacto, porém, só será viável se forjado na sociedade, cansada e desenganada, e por ela imposto aos agentes políticos. Mas já é hora de pensarmos grande (é demasiado pedir isso ?), para além dos projetinhos individuais, das vaidades e das vaidadezinhas e do ódio, do rancor e da intolerância. Pensar no Brasil, que, para desgraça de nossos filhos, está ameaçado de viver (se isso é viver) mais uma década perdida.