Em 14/4/2014

P. Qual a importância do investimento na ciência fundamental num país como o Brasil?

 

R.: A ciência fundamental busca estabelecer e explanar as bases de todo o conhecimento relacionado ao universo e à vida. Em outras palavras, ela explana as leis e princípios que regem tudo de que se compõe a natureza, desde as partículas de que são constituídos os átomos e nós mesmos, até o conjunto de todas as coisas unidas de modo harmonioso que chamamos de  nosso universo.  Escrevi nosso universo porque talvez ele não seja tudo, uma vez que a cosmologia moderna é a ciência de todos os universos possíveis. Não existiria tecnologia alguma não fosse o trabalho dos cientistas dedicados à pesquisa fundamental. Trata-se, portanto de equívoco estabelecer como veracidade o desenvolvimento tecnológico e a inovação como se essas áreas aplicadas pudessem se desenvolver sozinhas ou autonomamente. Sem o lastro de uma forte ciência fundamental o mais que conseguiremos é aprender a fazer cópias de produtos industrializados criados pela ciência fundamental das nações desenvolvidas. A Coreia e principalmente a China – países que estão despontando como nações altamente industrializadas – há décadas investem massiva e sistematicamente em ciência fundamental. Se não seguirmos esse caminho estaremos condenados a ser eternos copiadores das ideias alheias.

 

 

P: Como surgiu a ideia da criação do ICRA – Instituto de Cosmologia Relatividade e Astrofísica e por que a abraçou como Ministro?

 

R. O Projeto me foi trazida pelo Professor Mário Novello. Como um dos primeiros passos, pedi ao professor Francisco José Amaral Vieira, então  Consultor científico da UNESCO, para visitar o ICRA, manter encontros de trabalho com seu líder  e colegas  e emitir um parecer.  Recebi-o, completamente favorável e, em face disso, imediatamente convoquei minha assessoria para trabalhar na ideia que ganhou corpo e defensores ardentes.

Físicos de grande renome como Lattes, Mário Tiomno e Leite Lopes apoiaram o projeto.

 

Por que acredita ser importante a criação do  um Instituto de Cosmologia no Brasil, Relatividade e Astrofísica no Brasil?

 

Porque a cosmologia e suas disciplinas correlatas, Relatividade Geral e Astrofísica, encontram-se na última fronteira do conhecimento e possuímos cientistas em condições de levar nosso país até lá.

 

P. Por que este projeto não pôde ser concretizado como inicialmente planejado?

 

R. O ICRA foi pensado como uma unidade com autonomia dentro do CBPF, porque eu tinha entre meus projetos de trabalho dar uma dimensão nacional ao CBPF  tornando-o uma espécie de federação de centros de excelência em física teórica e aplicada, dando-lhe uma estrutura como  a de uma universidade federal. Cheguei a trocar ideias com Leite Lopes a respeito sendo incentivado a leva-la adiante.  O Icra seria uma dessas unidades. Entretanto, deixei o MCT antes de poder colocar este projeto em debate, de modo que meus sucessores, os Ministros Eduardo Campos e Sérgio Rezende  o instalaram como uma Coordenação dentro do CBPF o que constituiu o avanço possível. O então Presidente Lula teve a delicadeza de comunicar-me previamente essa decisão, através de carta.  O que o  ICRA precisa,  de fato, no meu entendimento, é de um orçamento anual de modo que possa colocar em prática seus programas de trabalho.

 

P. Como vê o desenvolvimento da ciência fundamental no Brasil nas últimas décadas? Onde avançamos e onde ainda precisamos avançar?

 

Sem dúvida, o panorama tem melhorado muito. Governos que se sucederam nos últimos anos criaram estímulos à carreira científica em quase todas as áreas. Aumentamos o número de mestres e doutores, muitos formados em centros de excelência. Mas ainda  estamos longe  de patamares que indiquem a mudança radical

 

 

P. Qual a maior descoberta da ciência nos anos recentes?

 

R.  Pelo que me foi dado entender, considero como tal a detectação  daquilo  que os cientistas chamam  de “ondas gravitacionais”, ondulações no espaço cósmico resultantes dos primeiros momentos do universo e que confirmariam a teoria do Big Bang. Estou tentando compreender isso.  Percebo tratar-se de uma consagração para a cosmologia, pois a observação altamente sofisticada cuja tecnologia somente agora foi desenvolvida e dominada está confirmando previsões teóricas feita por métodos matemáticos por físicos a partir de 1947. Quem sabe em breve não serão confirmadas previsões de cientistas do ICRA/CBPF que hoje são discutidas em muitos centros científicos do planeta? Aprendamos uma grande lição com isso: todo  avanço tecnológico contemporâneo tornou-se possível pelo trabalho daqueles que fazem ciência por ciência, daqueles que constroem o conhecimento fundamental, formulando leis e princípios sem cujo conhecimento o desenvolvimento de uma verdadeira tecnologia de ponta não passará de quimera.

 

Roberto Amaral