Carta Maior – Política
Entrevista de Roberto Amaral à jornalista Najla Passos – publicada em 30/09/2013
Em entrevista à Carta Maior, o 1º vice-presidente do partido, Roberto Amaral, avalia o quadro atual da legenda, após a intervenção nacional no diretório do Rio de Janeiro e o anúncio da saída do governador do Ceará, Cid Gomes. Amaral assinala que o PSB ainda mantem alianças com o PT e diz que apoio a Lindberg, no Rio, está em aberto, até por conta de que “não apoiaremos nem o Pezão, nem o Garotinho e nem o PSDB”. Por Najla Passos.
Brasília – Há menos de uma semana do fim do prazo para filiação dos candidatos que desejam concorrer nas próximas eleições, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) corre contra o tempo para recompor seus quadros das perdas sofridas após o recente anúncio da sua saída do governo Dilma e manter consolidada a candidatura de Eduardo Campos à presidência da república em 2014.
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o 1º vice-presidente do partido, Roberto Amaral, militante histórico desde a refundação da sigla no período pós-ditadura e ex-ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula, avalia o quadro atual da legenda, após a intervenção nacional no diretório do Rio de Janeiro e o anuncio da saída do governador do Ceará, Cid Gomes, acompanhado de quatro deputados federais, nove estaduais e cerca de 40 prefeitos.
Amaral fala de forma comedida dos motivos que levaram o partido a romper com o governo Dilma, que ele resume como um “ressentimento da falta de diálogo político”. Verbaliza suas expectativas de que a candidatura de Eduardo Campos, novo objeto de desejo de parte do empresariado brasileiro, possa representar uma “oposição pela esquerda”. E demonstra desconforto com a opção do partido de dividir palanques estaduais com o PSDB.
Carta Maior: Muita tensão no PSB até o próximo dia 5?
Roberto Amaral: Sim, tem as mudanças, a responsabilidade de organização das fichas, a expectativa de quem vai entrar… Isso deixa o partido todo tenso.
CM: E como está o balanço: entra ou sai mais gente?
RA: Olha, nós tivemos uma decepção, conhecida, que é a do PSB do Ceará. Nós estamos, entre outras preocupações, tentando recompor o partido e temos só até o dia 5 para, acredito, buscar um universo de novos quadros. Não posso antecipar nomes, mas o fato é que sai um governador de Estado e saem quatro deputados.
CM: E como está a situação do Rio de Janeiro?
RA: No Rio, nós fizemos uma intervenção, porque o presidente anterior estava transferindo quadros do partido para o PMDB, um processo de extrema deslealdade e desonestidade. Instituímos uma nova comissão e acertamos o retorno do Romário [ex-jogador eleito deputado federal pelo PSB em 2010, mas que deixou o partido em agosto, alegando dificuldade de diálogo com Eduardo Campos], o que garante a recomposição da nossa bancada. E as expectativas são as melhores possíveis. O anúncio da saída da antiga direção despertou muita alegria entre a militância e junto da sociedade. Estamos recebendo a cada momento adesões significativas. Hoje, vamos faz o egresso de pessoas que vem do antigo PDT do Brizola, como Vivaldo Barbosa [brizolista histórico, deputado federal por três mandatos] e José Maurício [outro brizolista histórico, deputado federal por seis mandatos]. Na quinta-feira, será o ingresso do Sílvio Tendler (cineasta de “Os anos JK” e “Jango”]. Aqui, a situação é bem tranquila. Nossa expectativa, inclusive, é aumentar a bancada federal.
CM: O problema pontual é no Ceará?
RA: Sim, o problema pontual é no Ceará. Mas, ao contrário do que ocorreu no Rio, a saída do Ceará foi negociada. O governador se portou com muita decência e polidez. Fez a transferência do material. Teve uma atitude civilizada.
CM: O senhor foi contra ou a favor da saída do PSB do governo Dilma? Por quê?
RA: Nossa posição foi unânime. Eu não queria discutir isso, porque tenho uma opinião muito pessoal…
CM: Mas quais as razões alegadas pelos quadros do partido para justificar a saída?
RA: O ministro Fernando Bezerra [que aguarda reunião com a presidenta Dilma Rousseff para entregar a pasta da Integração Nacional] vem há tempos solicitando isso, dizendo que estava se sentindo muito deslocado dentro do governo, o que lhe dava a sensação de estar sendo visto como um estranho no ninho. Ele reclamava muito por uma decisão partidária. Ele chegou a pedir a saída, mas eu fiz uma reunião com ele, convencendo-o a aguardar uma decisão partidária. A tendência do partido era manter a ideia original de só discutir a saída a partir de dezembro. Mas isso se precipitou com o noticiário de uma reunião que teria ocorrido em Brasília, com a presidente Dilma e o presidente Lula, na qual o presidente do PT, Rui Falcão, teria insistido em nos pedir nossos cargos do Governo. Então, se estão pedindo, vamos entregar.
CM:Então, o motivo da precipitação foi o possível conteúdo desta reunião, e não o calendário eleitoral?
RA: Não teve nada a ver com o calendário eleitoral. Aliás, deste ponto de vista, foi o momento mais inadequado, porque junta as duas coisas e uma atrapalha outra.
CM: Como o senhor, pessoalmente, avalia o governo Dilma? O que deixou a desejar para justificar esse rompimento do PSB?
RA: O PSB se ressentiu da falta de diálogo político. O PSB tinha a fantasia de que seria consultado em relação aos rumos do governo. Não é questão de cargos: nós deixamos que o PMDB administre isso, que é o que ele gosta. Nós queríamos a discussão política, participar dos planos, participar das decisões. E isso não ocorreu. Houve pouco diálogo institucional entre o partido e a presidência.
CM: Isso é uma característica do governo Dilma, especificamente?
RA: Sim. No governo Lula houve mais diálogo.
CM: A candidatura de Eduardo Campos à presidência da república em 2014 está consolidada? Como o senhor o qualifica em relação à trajetória política do partido, ao ideário do PSB?
RA: Olha, ele é o presidente do partido reeleito, ele vem de uma tradição que remonta a Miguel Arraes, político de cuja linha doutrinária não precisa se dizer nada. É um quadro de esquerda, bem preparado, foi parlamentar várias vezes, ministro e governador de sucesso.
CM: E qual o papel que o senhor acredita que a candidatura Eduardo Campos vai cumprir nas eleições de 2014?
RA: A minha expectativa é que ele seja uma pontuação à esquerda da candidatura da Dilma. Uma oposição pela esquerda.
CM: Diz-se que o Eduardo Campos tem uma aceitação muito forte entre o grande empresariado, a ponto de isso preocupar os tucanos. Qual programa do partido, quais ideias atraem esse seguimento, considerando que o senhor acredita que ela fará oposição pela esquerda ao governo do PT?
RA: Quando eu digo uma oposição pela esquerda, não estou dizendo que estamos prometendo o socialismo. Nós queremos apenas ganhar as eleições. Não está na ordem do dia e nem em nenhuma resolução que nós não vamos tomar o poder. Vamos conquistar o governo.
Das teses que temos defendido, a o que tem atraído muito o empresariado é a de associarmos as teses clássicas do pensamento de esquerda à eficiência administrativa, que é, se não estou muito enganado, a marca que estamos deixando em Pernambuco: um governo de avanços sociais, mas um governo de muita eficiência administrativa. Para usar a expressão dele [Eduardo Campos], é um governo que tem o que entregar.
As características gerais do governo do presidente Lula são para além do reformismo. A pura e simples eleição dele, em si, tem um caráter revolucionário, nos termos da história brasileira. Um ex-metalúrgico se elege presidente da república. Ocorreu um fato novo. Foi a grande novidade que dificilmente nos teremos igual nesses anos. E que se consumou com um outro fato da maior relevância, que foi a eleição de uma mulher para a presidência da república, num país em que o machismo ainda está presente. E mulher que também é uma ex-perseguida-política, uma ex-torturada.
Isso é muito importante para a história brasileira e para o avanço social, embora a grande marca do governo Lula foi a emergência das massas. Mas nada do que foi feito, dos avanços do governo Lula e, principalmente, do governo Dilma, nada disso foi institucionalizado. Essas questões não se transformaram em política de estado. Então, uma das questões fundamentais para o nosso governo será transformar todos esses avanços sociais em política de estado.
CM: O senhor pode me dar um exemplo?
RA: O Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida… onde estão regulamentados? Qual a lei? Qual a previsão orçamentária? Se o próximo governo não for progressista, pode derrotá-los.
Nós somos a favor do Mais Médicos. Aplaudimos a iniciativa. Quantos mais médicos no Brasil, melhor. Mas está é uma alternativa emergencial, já que o país enfrenta uma crise. O Mais Médicos pode atenuar essa situação no curto prazo, mas temos que pensar no médio e no longo prazo.
CM: E qual seria essa política a médio e curto prazo, na visão do PSB?
RA: Eu penso que temos que investir na carreira médica, na profissão. Eu tenho dúvidas se a proliferação de cursos é alternativa, porque você tende a associar o maior número de médicos à melhor formação e, nos jornais, está cheio de erros médicos graves, diariamente. O fato é que nos temos que mudar a filosofia do atendimento médico. Temos que voltar à concepção do médico de família. Do atendimento na ponta. No Brasil, o atendimento médico começa no hospital. E o hospital tem que ser o fim.
CM: Nós temos que aprender com a medicina cubana?
RA: Muito. O que é a medicina cubana? É a medicina brasileira antiga. Nós tínhamos na minha família um médico que atendia todo mundo, e quando a coisa se agravava ele passava para um especialista. Hoje, nós só formamos especialistas e não formamos clínicos. O médico atende o paciente em 15 minutos, 5 minutos, e como não o conhece, tende a pedir exames que o Brasil não tem como financiar.
CM: Mudando de assunto, como vão funcionar os chamados palanques duplos que o PSB acertou fazer com o PSDB nos estados?
RA: Não sei. Essa é uma experiência relativamente nova. Eu tenho exemplo de palanque duplo ao contrário, em Pernambuco, na primeira candidatura do Eduardo Campos, em que ele disputou com o Humberto Costa (PT), ambos apoiando o Lula. Ambos estavam no palanque do Lula toda vez que ele ia a Pernambuco. E funcionou muito bem.
CM: E agrada ao senhor esse acordo com o PSDB para os palanques duplos?
RA: A política a gente não faz só com que nos agrada. A gente faz de acordo com as contingências. Eu gostaria que nossa formação fosse “A”, mas as circunstâncias e as contingências determinam que seja “B”. Ser apoiado pelo PSDB não tem problema nenhum. O que eu não quero é que ele influencie nosso programa.
CM: E o senhor acredita que será possível impedir essa influência?
RA: Claro. Os apoios serão em nível estadual e, no nacional, nós iremos disputar com o candidato do PSDB, seja Aécio ou Serra.
CM: E não lhe parece contradição que ocorram palanques duplos com o PSDB enquanto ocorre uma caça às bruxas nos estados que querem apoiar a candidatura da presidenta Dilma?
RA: Esses palanques duplos não são com o PSDB Nacional, são para candidaturas regionais. O pleito do Ceará era o direito de ter uma dissidência na sucessão presidencial. É totalmente diferente, porque o partido tem e terá uma candidatura própria.
CM: E o partido também terá palanques duplos com o PT nos estados?
RA: Terá vários.
CM: No Rio, isso será possível?
RA: No Rio está tudo aberto. Só temos três coisas definidas: não apoiaremos nem o Pezão (vice-governador do RJ), nem o Garotinho (deputado federal pelo PR) e nem o PSDB. Essas três coisas estão claras. E vamos aguardar o que vem. No Espírito Santo, estamos aliados com o PT. Estamos aliados com o PT em sete estados. No Rio, está aberto porque não temos nenhuma candidatura definida ainda, nem a do Lindberg (senador pelo PT e possível candidato do partido ao governo do Rio).