O Povo | Ciência e Saúde

27 de outubro de 2003 | 09:20:53

 

A preocupação do ministro Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia) em divulgar a ciência, ou seja, reduzir os excluídos do saber científico e tecnológico, está também associada à preservação da memória científica brasileira. Realmente, é conveniente ressaltar que a História da Ciência e da Técnica constitui um dos elementos fundamentais ao ensino e à divulgação científica. Não se pode fazer uma popularização da ciência e da técnica dissociada do seu desenvolvimento histórico.

Para completar esta posição, a nova administração do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) vem dando um especial apoio à conservação da memória científica e tecnológica das nossas instituições e, em particular, do acervo pessoal acumulado pelos pesquisadores que, com as suas atividades e contribuições, são os verdadeiros agentes responsáveis pela existência das nossas instituições, assim como pela cultura científica brasileira.

A preservação da memória científica constitui hoje uma preocupação que não ocorria há cerca de 20 anos, quando iniciamos a luta para a criação do Museu de Astronomia e Ciências Afins, subordinado na época a um Núcleo de História da Ciência, que seria o primeiro passo para a criação do Instituto Nacional da História da Ciência.

Dentro desta perspectiva, o Museu de Astronomia e Ciências Afins seria o modelo vivo do que deveria ocorrer com o acervo das outras instituições científicas, uma vez que os seus prédios não seriam mais adaptáveis às inovações que exigem alterações arquitetônicas e, às vezes, como ocorre com os observatórios, exigem novos sítios.

A idéia incluía também a adaptação de alguns hospitais, cuja arquitetura exigisse uma profunda alteração, e a sua transformação em Museu voltado à História da Medicina. As velhas usinas geradoras de energia transformadas em Museu de Eletricidade. Um outro exemplo seria a transformação de velhas Estações de Estradas de Ferro em Museu da História dos Transportes.

Na época, conversei com o Antônio Houaiss e Carlos Chagas. O primeiro chamou-me atenção para a quantidade de instrumentos médicos e cirúrgicos que eram abandonados como ferro velho, deixando os jovens estudantes de medicina no desconhecimento das técnicas médicas relativamente antigas (qual é o jovem que conhece o agrafe e a tesoura de ponta de papagaio usada na sutura de um corte?).

O segundo aconselhou-me a não criar um Museu que incluísse toda as ciências, lembrando que a Biologia deveria estar separada, assim como as outras, por exemplo, a física. Lembrei na época que a minha idéia estava voltada para o Museu de Ciência e de Artes Aplicadas de Sidney, na Austrália, que incluía vários prédios que foram desativados à medida que as exigências impunham uma nova adaptação. Assim, além de dar uma vida nova a este prédio, a cidade podia viver melhor, pois não havia uma concentração num conjunto único de prédios, mas uma vida que se espalhava por diversos pontos da cidade.

Assim, o Observatório de Sidney se transformou no Museu de Astronomia, a velha Usina Elétrica, no Museu da Eletricidade etc. Na época, há vinte anos, a idéia era a de um Museu que conservasse o arquivo particular dos cientistas, assim como a Casa de Rui Barbosa conserva o arquivo particular dos escritores. Com este objetivo, o primeiro arquivo doado foi o do Lélio Gama. Na minha visão mais ampla, adquiri para o Museu também o conjunto do acervo de ilustrações sobre a História da Medicina que Pedro Nava havia cuidadosamente comprado, durante as suas visitas a Paris, e que estava sob a ameaça de ser disperso.

Hoje, 20 anos depois, a preservação da memória de Ciência no Brasil parece definitivamente aceita pelos nossos administradores. Esperamos que a História da Ciência associada a esta preocupação seja um fator de estímulo aos jovens que desejam se dedicar às ciências e às técnicas.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, e professor visitante da Universidade Vale do Acaraú, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do Einstein – De Sobral para o Mundo – Edições UVA. www.ronaldomourao.com