Cenário é, perigosamente, de anarquia institucional. É condição para qualquer projeto progressista a unidade das forças populares e de esquerda
A prisão do ex-presidente Lula – ilegal, arbitrária, ato de perseguição política -, que chega sem surpresa para os que enxergam um palmo adiante do nariz, encerra um capítulo da Operação Lava Jato e escancara um novo ciclo dentro do golpe instalado com o impeachment de Dilma Rousseff. Mas igualmente indica para as forças populares novos objetivos imediatos e, forçosamente, novas formas de luta.
E exige, como imperativo histórico, sua unidade.
Não é inteligente minimizar o ataque e suas consequências: a adversidade deve ser mais um instrumento de nossa aproximação com as grandes massas, ainda chocadas com a violência.
A unidade das forças populares, na qual Lula tanto tem investido, tem que ser nossa resposta, pois, mais do que nunca, ela é o instrumento de que podem lançar mão os trabalhadores em momento gravíssimo da vida nacional, em momento de refluxo que corresponde, igualmente, ao avanço das forças as mais reacionárias, retrógradas e atrasadas, movidas pelo ódio de classe.
A perseguição política a Lula, não só ao que simboliza, não só ao que representa como líder popular, mas já agora a inominável perseguição física, roubando-lhe a liberdade, não pode ser vista como obra do acaso, uma só patologia de um juiz de piso.
No campo da luta atual representa um passo à frente dado pelas forças mais retrógradas na tentativa de, aprofundando o flanco autoritário, garrotear os direitos individuais, as garantias constitucionais (como revelou a deplorável denegação do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente ao STF) e, como sempre, os ataques à nossa soberania (aí estão a entrega do pré-sal, da Embraer, da Eletrobras, o desmonte do BNDES e da Petrobras) e aos direitos dos trabalhadores.
Este é o projeto dos verdadeiros autores do impeachment, ponto de partida para a imposição do regime de exceção jurídica em que vivemos, regime que opera à margem do Palácio do Planalto, onde ainda despacha um presidente que não governa.
O cenário de nossos dias é, perigosamente, de anarquia institucional e caos decorrente da falência dos poderes clássicos da República, governada que está sendo por estamentos burocráticos que se autonomizaram, como se poderes fossem. ‘Mini-Estados’ dentro do Estado.
São setores do Poder Judiciário (estimulados pela pusilanimidade do STF), da Polícia Federal, setores do Ministério Público Federal, e já agora, irresponsáveis do Exército, estimulados pelas declarações desastradas de seu Comandante, repisadas por outros oficiais em comando, lembrando tempo de autoritarismo castrense que nossa sociedade não admite reviver.
Essas ilhas de poder convergem operacionalmente na República de Curitiba, o centro difusor, enquanto os meios de comunicação levam a cabo, impunemente, seu papel como secretores de ódio, primeira fase da insânia fascista. Por trás de todos, o grande capital, desapartado dos interesses nacionais, desapartado da Nação, alheio conceito de Pátria, vassalo de interesses externos.
Na Presidência da República um mamulengo que se aparvalha quando os cordéis se soltam, uma ausência de vontade ou de brios, uma corte de aproveitadores e oportunistas preocupados, tão-só, em atender aos seus tutores e em se preparar, para as respectivas defesas nos processos criminais aos quais deverão responder ao cabo do governo, com o fim do ‘foro privilegiado’. Mais preocupado do que todos, o inquilino do Jaburu.
Eis a anarquia política dando forma à anarquia institucional, semente da convulsão que não pode interessar ao povo desarmado.
No vácuo do poder, assoma a violência que hoje contamina e assusta a vida nacional, marcada pela intolerância política, a truculência, a violência física, as agressões indiscriminadas, os atentados e já os assassinatos.
Escrevo sob o impacto da execução política de Marielle Franco (até quando esperaremos que a polícia e os interventores anunciem os executantes e, principalmente, os mandantes deste crime infame?), a execução de jovens inocentes em Maricá, a violência inominável que no Sul acompanhou as caravanas do ex-presidente Lula, no limite do atentado a bala. E, como pano de fundo, a violência que explode nos editoriais e no noticiário dos jornais e, inunda as chamadas redes sociais.
Em todos os momentos de crise, a primeira vítima da casa-grande é a democracia, e quando a democracia se torna supérflua para a classe dominante, ainda mais indispensável ela se torna para os trabalhadores, que dela necessitam para a defesa de seus direitos e a luta pela transformação da sociedade burguesa, com o fim da dominação de classe.
Em seu discurso de São Bernardo, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um dos centros de resistência à ditadura de 1964, o líder trabalhista tinha presente essa lição de Rosa de Luxemburgo, e por isso mesmo pôs a questão democrática no centro da luta do povo brasileiro.
Há, portanto, desdobro o discurso de Lula, duas tarefas urgentes e ingentes para os trabalhadores nessa fase de sua luta que é de reorganização e resistência. A tarefa central, mãe de todas as outras, é a defesa da democracia na sua mais ampla concepção e, meta ancilar, a defesa do processo eleitoral de 2018, nos termos da Constituição, portanto livre dos casuísmos que se cozinham na Câmara dos Deputados e nas salas e antessalas do TSE.
Evidentemente que o ex-presidente não mencionou, mas é óbvio que a exigência de eleições democráticas implica seu indeclinável direito de disputar as eleições, a única forma de o processo eleitoral reconquistar a legitimidade perdida.
Ainda nesse discurso, pronunciado em condições tão dramáticas, Lula teve a ciência de indicar, como conditio sine qua non de todo e qualquer projeto progressista, a unidade das forças populares e de esquerda que, acicatadas pelas dificuldades de hoje, saberão, pois é uma necessidade de sobrevivência, identificar, de um lado os adversários fundamentais e, de outro, as tarefas impostas pelas circunstâncias.
Ele lembrou a importância da presença do dirigente sindical no chão da fábrica. Tome-se a assertiva como uma metáfora sobre a importância da relação do líder, todo e qualquer líder popular, com as massas, a prioridade da ação organizativa e do proselitismo sobre a burocracia.
Para enfrentar os adversários de hoje, fortalecidos como raramente estiveram, precisamos retornar às nossas bases, fortalecer a vida e a organização sindical, disputar as periferias onde devemos voltar a atuar, fortalecer os partidos de nosso campo e, fonte de tudo, fortalecer os movimentos sociais.
O abraço aos pré-candidatos do PSOL e do PCdoB, em sua carga de simbolismo, é um chamado e um convite à unidade política da ação das forças partidárias do campo progressista. E a mocidade de Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos aponta para a continuidade da luta em face da inevitável sucessão geracional.
O abraço também deve ser lido como um chamamento aos ausentes e um apelo para que finalmente nossos partidos compreendam que o adversário está na outra margem do rio, que nenhum de nossos partidos crescerá dependendo da destruição uns dos outros. Ou crescem juntos, ou desfalecem desapartados.
No primeiro momento estaremos com todos aqueles que se comprometam com a democracia, embora saibamos que nem todos nos acompanharão quando se colocar como tarefa a retomada da luta pela soberania e pelo governo dos trabalhadores, fim estratégico do qual não podemos abrir mão, senão ao preço da descaracterização. Não é difícil, porém, distinguir projetos estratégicos de alianças conjunturais ou táticas
Desde já, além de insistir na luta contra o desemprego e contra as reformas trabalhistas e da previdência, contra o desmonte da economia e pela soberania, cabe ao campo progressista lutar por uma frente ampla, em defesa da democracia, das eleições e agora, em defesa da liberdade de Lula. Esta é a luta unificadora, e a tese que mais amplia na sociedade.
Roberto Amaral
Fonte: Carta Capital