Para ex-ministro do primeiro governo Lula, hoje mais do que nunca a universidade precisa sair dos campi e dialogar com a sociedade

Roberto Amaral foi ministro entre 23/01/2004 a 18/07/2005, no governo Luís Inácio Lula da Silva. Ele é um dos ex-titulares da pasta consultados pelo Jornal da Ciência sobre o cenário atual do setor e estratégias de atuação.

Cada um deles respondeu, por telefone ou e-mail, a três questões: Como vê a Ciência e a Tecnologia no Brasil hoje? Que estratégia sugere para a comunidade científica para atuar nesse cenário? e Que estratégia sugere para o desenvolvimento futuro?

Os oito depoimentos estão publicados na nova edição impressa do Jornal da Ciência que circula essa semana. Até sexta-feira (19/7) o Jornal da Ciência vai publicar no site os depoimentos completos, dois por dia.

Leia abaixo a entrevista:

JC – Como vê a Ciência e a Tecnologia no Brasil, hoje?

Roberto Amaral – A ciência e a tecnologia – e acrescento o ensino e a inovação –  vivem sua mais grave crise republicana. Estamos sob o ataque à razão e ao conhecimento, uma meta do fundamentalismo religioso localizado no centro do poder. O indicador mais preocupante não são as restrições orçamentárias, de si criminosas, mas a postura do atual governo, que, a um só tempo, se volta contra a ciência e o humanismo. As restrições vêm daí e o resto são consequências facilmente previsíveis. Enquanto, liderado pelas grandes potências, o mundo avança na revolução 4.0, o Brasil regressa à condição de exportador de commodities sem valor agregado.  Nossa indústria, que patina em índices de baixa intensidade tecnológica, responde por apenas 1,8% da produção mundial, contra 34% da China, e representa, hoje, apenas, algo como 11% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Enquanto o governo despreza o conhecimento, a Alemanha destina 2,8% de seu PIB (3,677 trilhões de dólares segundo dados de 2017) em pesquisa, e anuncia para os próximos três exercícios a aplicação de 14,6 bilhões de euros anuais em tecnologia, em especial em robótica, automação e equipamentos de imagem para a saúde. A China prioriza os investimentos em inteligência artificial. As grandes nações investem em ciência e tecnologia não por serem ricas; mas são ricas porque investem em ciência e tecnologia.

Em 2018 os EUA aplicaram US$ 476,5 bilhões e a China (que não para de crescer), US$ 370,6 bilhões em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Os dois gigantes, juntos, somam 62% do investimento global e mais da metade do patenteamento mundial de tecnologias avançadas. E não estão sós: o Japão investiu US$ 170,5 bilhões e a Coreia do Sul, US$ 73,2 bilhões.

Enquanto isso o governo brasileiro corta de forma drástica recursos dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia e Inovação. Dos programas de Educação Infantil e Ensino Médio, do MEC, foram surrupiados cerca de R$ 2,4 bilhões. O MCT&I,  além do corte de algo como 40% de seu orçamento, foi punido com a redução bolsas do CNPq e das aplicações de fomento, via FINEP, com recursos FNDCT. O governo que aí está ameaça o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, que vem sendo construído há muito custo pelo esforço de décadas da comunidade científica, estadistas e  governos da mais variada natureza, desde a fundação do CNPq (1949) e da CAPES (1951) e finalmente da FINEP (1967), hoje em processo de desmontagem. Por preconceito ideológico e limitação cognitiva o governo combate a escola pública, de um modo geral, e de forma específica investe contra a universidade pública e gratuita, responsável pelo melhor ensino superior, pela melhor pós-graduação e por 90% da pesquisa. Isso significa renunciar ao conhecimento, ou seja, comprometer nosso futuro de nação e país. Isto significa um crime de lesa-pátria.

JC – Que estratégia sugere para a comunidade cientifica para atuar nesse cenário de restrições orçamentárias?

RA – Entender que a questão central, embora grave, não são as restrições orçamentárias, mas a política do atual governo que, levada a termo, nos afastará por muitas e muitas décadas do desenvolvimento, nos mergulhará no atraso e aprofundará as desigualdades sociais. Nosso combate é também, pois, a uma visão retrógrada de mundo. Trata-se de luta em defesa do futuro contra o retrocesso, que sufoca o presente e intenta impedir o nascimento do amanhã. A estratégia fundamental da Universidade brasileira deve ser o diálogo com a sociedade, explicando ao nosso povo a dependência de seu bem-estar, de sua saúde, de sua liberdade ao desenvolvimento científico-tecnológico produzido nas universidades, para que ele, o povão, possa compreender como sua vida resulta ameaçada quando esse desenvolvimento é posto em xeque. Nesse momento de crise a universidade precisa, mais do que nunca, sair dos campi, a vida acadêmica vir para as ruas, nossa comunidade conviver com a sociedade e dialogar com seus problemas, enfim, desmistificar, dessacralizar e popularizar o conhecimento científico. Proponho, em síntese, como politica de resistência e avanço, a difusão do conhecimento com a sociedade mediante principalmente fóruns de debate e os meio possíveis de interação. Nossa sobrevivência — e da sobrevivência da vida universitária depende o futuro do país —, estará garantida, em frente a esse e a quaisquer governos, quando a sociedade brasileira, simbolizados no Zé da Silva que paga impostos, mas não tem acesso ao ensino universitário, compreender a importância do conhecimento gerado na universidade para sua vida e a vida do planeta.

JC – Que estratégia sugere para o desenvolvimento futuro? 

RA – Precisamos definir o lugar do Brasil no mundo, e o espaço que almejamos não é o que o atual governo persegue. A história não se repete, mas estamos vivendo uma nova fuga de cérebros, tão daninha quanto aquela que nos foi imposta nos tristes idos do regime militar. Desta feita, para agravar a tragédia, vivemos uma verdadeira diáspora que atinge os quadros mais jovens e promissores, um ‘exílio voluntário’ com negativas e duradouras repercussões sobre nosso presente e nosso futuro, comprometendo nossa ciência e nossa tecnologia,  nosso conhecimento e nossa formação humanística. Essa resistência, porém, pede forças para além dos limites da vida universitária e cobra alianças inclusive com o empresariado, principalmente com aquele mais diretamente ligado ao desenvolvimento tecnológico e a inovação.

Para isso, a variável crítica é a promoção do desenvolvimento industrial local, com o estancamento da trajetória de desindustrialização em curso há muitos anos, mediante políticas públicas estruturantes e compras governamentais. No mundo contemporâneo, não há exemplo de um país com as características do Brasil em termos geográficos, de recursos naturais, demográficos e culturais, que tenha se desenvolvido sem uma capacidade industrial compatível com suas necessidades. Mas o inverso é igualmente verdadeiro: não há desenvolvimento industrial sem desenvolvimento tecnológico e inovação, que depende de desenvolvimento científico, que, por sua vez, depende do saber acadêmico, da qualidade do ensino e da pesquisa em nossas universidades.

Essa resistência, todavia, dependerá, fundamentalmente, do encontro da Academia com a sociedade. A divulgação e a popularização da ciência e do conhecimento acima propostas devem ser o grande fruto da melhoria do ensino e da pesquisa, metas que precisam ser perseguidas sem limites. Melhorar a qualificação de nossos professores e de nossos pesquisadores, reforçar a infraestrutura laboratorial e científica, e  elevar o nível de nossos estudantes desde a formação básica. O ensino universitário não pode se ver como uma bolha no quadro geral da educação brasileira; precisamos compreender que a qualidade de nossos alunos de graduação começa a ser definida no ensino médio, e para ele devemos, igualmente, voltar nossas atenções. À política geral de bolsas de pós-graduação devemos associar mais e mais uma politica de bolsas de iniciação cientifica, chegando mesmo ao ensino médio onde devem ser identificadas as vocações mais promissoras.

Permito-me tocar em ponto que tentei levar a cabo em minha passagem pelo MCT no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a federalização, no sentido da nacionalização, da excelência do ensino e da pesquisa levando-a a todas as regiões do país, fomentando a melhoria dos cursos de graduação e pós-graduação, propiciando a melhor formação possível, em suas sedes, de mestres e pesquisadores e, na medida do possível, fixando-os em seus Estados e em suas regiões.

Os depoimentos dos ex-ministros estão reunidos neste link.

Janes Rocha – Jornal da Ciência