A Constituição da República de 1988 estabelece as sólidas bases do Estado democrático de Direito, tais como a soberania popular e a separação dos Poderes. Da Carta Magna emanam os princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e do direito à ampla defesa para todo o sistema de Justiça.

Todo o sistema jurídico deve guardar obediência irrestrita a esses postulados, pois são conquistas históricas contra a opressão desmedida e irracional.

A marcha da insensatez do juiz Sergio Moro ao conduzir, de forma midiática e espetacularizada, a investigação representa ataques constantes a essas conquistas históricas, bases do Iluminismo.
A tônica de sua atuação não é o processo penal, mas sim a ilação, a conjectura sórdida que estimula ao permitir criminosos vazamentos seletivos de documentos que deveriam ser resguardados como manda a lei.

A delação, perversão ética introduzida no sistema de justiça criminal, é utilizada como prova irrefutável, e não como ponto de partida de uma investigação, apenas para satisfazer a ânsia jornalística tendenciosa e para “fundamentar” o arbítrio de buscas e apreensões, conduções coercitivas e prisões.

É o primado da hipótese sobre os fatos a conduzir a investigação. Ao optar por esse caminho, termina por ser acometido, a meu ver, daquilo que o processualista italiano Franco Cordero denomina de quadro mental paranoico do juiz.

É este o quadro que pode ajudar a compreender a criminosa ação ocorrida na quarta (16), com a divulgação do áudio do diálogo entre autoridades e o ex-presidente Lula. O conteúdo da interceptação telefônica, a teor do artigo 8º da lei 9.296/1996, deve tramitar em autos apartados e em nenhuma hipótese pode ser divulgado.

A lei determina o absoluto sigilo das gravações e das transcrições respectivas, sendo que o artigo 9º é expresso ao determinar que o conteúdo que não interessar à prova será inutilizado por decisão judicial. É o caso do áudio entre o ex-presidente e a presidente Dilma.

E mais, a ação do juiz Moro pode ser enquadrada como crime por incitar a população à subversão da ordem política ou social, tanto pelos termos do despacho que determinou o levantamento da interceptação quanto pela nota tornada pública no mesmo dia.

A serenidade que o cargo de magistrado exige deveria ser a tônica de sua atuação. No entanto, ele opta por exercer o papel de perturbador da ordem institucional com a prática constante de arbitrariedades e ofensas à lei e à Constituição.

A marcha da insensatez do juiz Moro tenta levar de solapada os direitos e as garantias fundamentais. Como um déspota ou justiceiro da modernidade, ele tenta, também, desestabilizar os poderes constituídos, incitar a população ao ódio político em um momento em que o Brasil precisa justamente de serenidade.

A Carta Constitucional de 1988 é o documento síntese da transição entre o arbítrio que fundamentava o Estado de exceção e um arejado e ansiado regime democrático. Essa travessia não pode ser, nem jamais será, interrompida pelos arroubos de um juiz que desconhece o direito e tenta fazer da Constituição da República um panfleto normativo.

O Brasil, a democracia e as instituições são maiores do que isso.

WADIH DAMOUS, 59, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seção Rio de Janeiro – OAB/RJ, é deputado federal (PT-RJ)

Fonte: Folha de São Paulo