por DANIELA KRESCH – Especial para O GLOBO
Partidos de minoria formam coalizão para driblar cláusula de barreira
– TEL AVIV- Quando as urnas forem abertas na noite do dia 17 de março em Israel, os olhos do país estarão voltados em particular para um aspecto dos resultados das eleições legislativas que vão desenhar a cara do próximo governo. Como terá votado a minoria árabe-israelense, 20% da população de 8 milhões? Mais do que em qualquer outro pleito, o voto árabe nessas eleições é uma incógnita e pode servir de fiel da balança para uma possível vitória da esquerda em detrimento do primeiro-ministro direitista Benjamin Netanyahu.
Forçados a se unificar por medo de não superarem o percentual mínimo para conseguir uma das 120 cadeiras do Knesset (o Parlamento de Jerusalém), que foi elevado de 2% para 3,25% dos votos, os principais partidos árabes passam pela maior reestruturação desde a criação de Israel, em 1948. A pergunta é: seus eleitores potenciais vão apoiá-los?
A elevação do percentual foi uma iniciativa do ministro do Exterior Avigdor Lieberman, do partido de extrema-direita Israel Nosso Lar. Ele justificou a ideia afirmando que ela ajuda a melhorar a “governabilidade” do país, diminuindo o número de partidos nanicos no Parlamento. Mas, para muitos, se tratou de uma ação com objetivo de diminuir a participação dos árabes. Hoje, há 12 parlamentares da minoria no Parlamento (10%), sendo que dois deles de partidos de maioria judaica.
Mas o tiro de Lieberman pode sair pela culatra. Os principais partidos árabes anunciaram há uma semana uma legenda única com o nome de “Campo Democrático”, sob a liderança do jovem advogado Ayman Ouda. O “Campo Democrático” reúne partidos que lutam pelos direitos da minoria árabe e pela criação de um Estado palestino, mas com ideologias distintas como Balad e Ta’al (nacionalistas seculares), Hadash (comunista) e o Movimento Islâmico (islamista).
FIEL DA BALANÇA
Para alguns, essa união — imposta ou não — levará a um aumento de parlamentares árabes, já que a legenda única poderá se provar mais atraente aos eleitores do que partidos pequenos, que sempre disputaram entre si o 1,5 milhão de árabes em Israel. Há quem preveja que as urnas elejam mais de 16 deputados árabes depois do pleito de março, um recorde histórico.
—É a primeira vez que algo assim acontece, até mesmo em termos do mundo árabe. Nunca houve uma união de partidos comunistas, nacionalistas e islamistas. Mas foi mais fácil do que se pensa — diz Jamal Zachalka, líder do mais conhecido partido árabe de Israel, o Balad, hoje com três parlamentares. — Há tempos já conversávamos com outros partidos e, quando anteciparam o pleito, tivemos de acelerar o processo. Há mais coisas em comum do que desacordos.
Para o professor Asad Ghanem, da Universidade de Haifa, os eleitores árabes-israelenses poderão votar em massa desta vez, como no passado. Até as eleições de 1999, a participação dos eleitores árabes ficava em torno dos 75%, percentual alto comparado com a dos judeus israelenses (65%). Dez anos depois, nas eleições de 2009, o percentual havia caído para 53%.
— Muitos árabes não votaram nos últimos anos por frustração em relação à sua própria liderança. Mas agora algo mudou. Eles uniram suas forças para ter uma lista única — diz Ghanem.
Para outros analistas, no entanto, a unificação árabe pode não dar certo. Isso porque os partidos que negociam uma união têm ideologias muito distintas, e a fusão pode levar a uma disputa interna que enfraqueceria a legenda única.
— O aumento do percentual impôs essa união, mesmo entre partidos que não têm a mesma ideologia, e muitas pessoas não gostam disso — diz Samah Salaima Agbaryia, diretora da ONG Mulheres Árabes no Centro. — Para mim, que sou secular, por exemplo, é difícil concorrer junto com o representante do Movimento Islâmico.
Segundo o analista político Mohammad Darawshe, da ONG Givat Haviva, 85% do público árabe nunca entenderam as diferenças ideológicas entre os partidos, então apoia a união. Mas só realizá-la não basta.
— A missão do novo partido único não é só consolidar essa união e sim motivar os eleitores árabes a votar. Hoje, só 33% se comprometem a votar nos partidos árabes, e 37% dizem que ainda não decidiram se vão votar ou não — diz Darawshe.
Asad Ghanen, da Universidade de Haifa, acha que os árabes israelenses só vão votar se acreditarem que há uma chance para um novo governo de centro-esquerda que remova Netanyahu. Pelas últimas pesquisas, o Campo Sionista, união entre o Partido Trabalhista e O Movimento, da exchanceler e ministra da Justiça Tzipi Livni, está páreo a páreo com o Likud de Netanyahu.
Se a esquerda vencer, a nova união dos candidatos árabesisraelenses pode servir de fiel da balança para a formação de uma coalizão com mais de 61 cadeiras no Knesset.