O Direito do Trabalho nasceu e se desenvolve para promover o equilíbrio das relações de emprego, que são naturalmente assimétricas. Daí a presença de normas jurídicas que impedem a submissão do empregado a condições indignas ou injustas de trabalho. A par disso, a diversidade de ocupações que se oferecem à regulação do direito do trabalho e a mutação constante das condições em que o trabalho se realiza – em razão de avanços tecnológicos, novas técnicas de produção, inovações organizacionais etc. – fazem indispensável a negociação coletiva que conduz a normas jurídicas elaboradas pelos próprios atores sociais, empregadores e empregados, estes sempre representados pelos sindicatos que veiculam os interesses da categoria profissional na base territorial que corresponde ao local de trabalho.

Nos países ocidentais em que a presença do Direito do Trabalho assim se apresenta, sobretudo nos países da Europa continental, a negociação coletiva não pode estabelecer condições de trabalho abaixo do nível civilizatório previsto em normas estatais e, por isso, as convenções e acordos coletivos se submetem ao controle judicial. Apenas a título ilustrativo, é interessante observar que são inúmeros os recursos em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho que cuidam de cláusulas normativas por meio das quais o intervalo para descanso é previsto ao final da jornada, como se o conceito e o fim do intervalo autorizasse essa aventura semântica; em outros muitos recursos, nota-se que sindicatos representantes de empregados em hotéis e restaurantes ajustaram cláusulas normativas em que dividem parte expressiva das gorjetas entre os empregadores e as entidades sindicais, deixando a sobra das gorjetas para os garçons que seriam, logicamente, credores de todo o valor pago por essa forma de remuneração. São direitos de baixo valor monetário em favor de trabalhadores simples, mas são direitos que revelam a grandeza e a imprescindibilidade da intervenção estatal em regiões socioeconômicas periféricas, onde o menos é mais.

Em setembro de 2012, reunidos os ministros para que revisitassem os fundamentos de suas súmulas e orientações jurisprudenciais – pois é certo que alguns verbetes remontavam a um tempo no qual a matriz constitucional e o espectro de direitos da personalidade eram outros –, percebeu-se, com nitidez, que a Súmula 277 da jurisprudência do TST continha um claro desestímulo à negociação coletiva de trabalho, ancorado no texto da Constituição (revogada) de 1967. A Súmula 277 preconizava a eficácia de convenções e acordos coletivos somente em seu período de vigência, o que provocava uma vantagem injustificável para a categoria patronal: ela não aceitava negociar com o sindicato dos trabalhadores porque o advento da data-base fazia caducarem todas as conquistas históricas da categoria profissional e, além disso, tal empregador ainda podia instaurar o dissídio de greve para o tribunal do trabalho pôr fim a qualquer paralisação mediante decisão em que se assegurava apenas a proteção legal. Em resumo, os empregados perdiam ou perdiam, sem anteparo para abusos patronais – repetindo o infortúnio de Sísifo, personagem mitológico condenado a empurrar eternamente uma pedra morro acima; quando se aproximava do cume, a pedra deslizava e se iniciava novamente o penoso processo.

O TST reviu sua Súmula 277 para esclarecer que as cláusulas normativas previstas em convenções ou acordos coletivos seriam ultra-ativas, ou seja, permaneceriam em vigor enquanto não fossem expressamente revogadas por negociação coletiva de trabalho superveniente. E por que o TST tardou a alcançar essa orientação jurisprudencial, apesar de a sua Seção de Dissídios Coletivos já haver consagrado a ultra-atividade em incontáveis julgados, fixando inclusive a ultra-atividade das sentenças normativas, exaradas quando a negociação coletiva não é bem sucedida (ver Precedente Normativo 120 da SDC). Perguntar-se-ia ainda por que demorou tanto o TST, se a Constituição de 1988 afirmava, em sua redação original, que as sentenças normativas deveriam respeitar “as disposições legais e convencionais mínimas de proteção ao trabalho” e, para afastar dúvida quanto a se preservarem não apenas as convenções coletivas alusivas à proteção mínima, a Emenda Constitucional 45/2004 explicitou que seriam preservadas “as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

A ultra-atividade está explícita no texto constitucional, impede que o empregador tenha vantagem na negociação coletiva e seja desestimulado a negociar as reivindicações dos sindicatos, além de ser a regra em países que realmente estimulam a autonomia dos interlocutores sociais. Os artigos 616, §3º e 867, parágrafo único, alínea b da CLT não se coadunam com a ideia de que categorias organizadas devem suportar períodos sem proteção por normas coletivas. Sendo assim, por que o TST somente admitiu a ultra-atividade em 2012? Artigo sob o título “A Súmula 277 e a Defesa da Constituição”, escrito por ministros do TST e disponível no site do próprio Tribunal e do Senado Federal, elucida todos esses aspectos e esclarece que o TST não se reposicionou antes porque havia precedentes do STF afirmando que a ultra-atividade das normas coletivas de trabalho não teria base constitucional. Qual não foi a surpresa, porém, ao constatar-se que os mencionados precedentes do STF faziam remissão a julgamentos proferidos, no AI 150475 e no RE 103.332, com base no art. 142, §1º da Constituição de 1967? Portanto, a leitura dos precedentes do STF permitiu verificar que não havia decisão turmária ou do seu Pleno a respeito das disposições convencionadas anteriormente, o que ensejou a interpretação veiculada pela Súmula 277, nos exatos termos preconizados pela Constituição de 1988.

Para evitar que os empregadores fossem surpreendidos pela nova construção jurisprudencial, o TST editou a atual Súmula 277, mas decidiu, em processos vários, que a ultra-atividade das convenções e acordos coletivos (as suas cláusulas continuam vigorando até que outra norma coletiva as revogue) somente valeria para as convenções ou acordos celebrados após setembro de 2012, mês em que sindicatos e empregadores tiveram ciência de que era essa a regra regente da negociação coletiva, sob a ótica dos tribunais do trabalho. A intenção foi, também, a de não criar passivo trabalhista em razão de se estar reposicionando a jurisprudência.

Em julho de 2014, o sítio virtual do TST informou que a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino teria ajuizado no STF uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), catalogada sob n. 323, na qual argumentava ser inconstitucional a ultra-atividade recomendada pela Súmula 277 porque o legislador teria regulado essa matéria na Lei 8542/1992 e, mais adiante, a MP 1053/1995 (convertida enfim na Lei 10192/2001) teria revogado o art. 1º, §1º da Lei 8542 que previa: “as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”. Ao fazer ressurgir a ultra-atividade que não estava mais consagrada em lei, porque lei a teria derrogado, o TST teria invadido espaço de regulação reservado ao Poder Legislativo e violado o princípio da separação de poderes.

Por inapetência, conveniência ou estratégia processual, a Confederação, autora da ADPF, não esclareceu que a revogação do art. 1º, §1º da Lei 8542 se deu porque nele se fundava um instituto jurídico novo e revolucionário, o “contrato coletivo de trabalho”, severamente criticado por parte expressiva da doutrina (ver “Reflexões Sobre o Contrato Coletivo Nacional” de José Alberto Couto Maciel, disponível na internet). Como não seria possível abolir o contrato coletivo sem sacrificar todo o dispositivo, revogou-se o art. 1º, §1º da Lei 8542 por inteiro, levando-se a reboque a ultra-atividade que, de resto, já estaria consagrada na carta constitucional.

A Advocacia Geral da União opinou pelo não cabimento da citada ADPF e avançou para ponderar que a ultra-atividade das normas coletivas “contribui para o equilíbrio entre os atores coletivos da relação trabalhista”. Cerca de três meses depois, em junho de 2015, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, endossou a posição da AGU e arrematou: “a novel redação da súmula 277 do TST não contraria os princípios constitucionais suscitados como parâmetro de controle”. É importante esclarecer que a concessão de liminar em ADPF é facultada ao Pleno do STF, por voto da maioria absoluta de seus membros, salvo “em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso”, quando então a liminar pode ser concedida pelo ministro relator (art. 5º, §1º da Lei 9882/1999).

Em 14 de outubro de 2016, mais de um ano após serem emitidos os pareceres da AGU e da PGR, o Ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para suspender processos em curso na Justiça do Trabalho que versem sobre a ultra-atividade de normas coletivas, porque entendeu ser arbitrária a interpretação da norma constitucional pelo TST, que atenderia inclusive a “lógica voltada para beneficiar apenas os trabalhadores”. Cogitou Sua Excelência de “verdadeira fraude hermenêutica”, “jurisprudência sentimental” e “zigue-zague jurisprudencial”. Afirmou que o TST estaria, a um só tempo, violando os princípios da separação de poderes e da legalidade, além do direito fundamental do trabalhador ao reconhecimento de convenções e acordos coletivos de trabalho.

A decisão liminar do Ministro Gilmar Mendes terá maior alcance em relação às negociações coletivas não judicializadas, pois, enquanto o Pleno do STF não se reunir para deliberar o cabimento e a eventual procedência da ADPF, sindicatos e empresas terão dificuldade de saber qual a regra de negociação a ser adotada. Espera-se que a expectativa de ultra-atividade, na linha do que preconiza o TST, continue estimulando a negociação coletiva de trabalho.

No âmbito dos processos judiciais, o problema parece inexistir após o TST haver estabelecido que não aplicaria a ultra-atividade para normas coletivas celebradas antes de setembro de 2012, pois são raros os processos que reclamam a incidência ultra-ativa de normas coletivas subscritas após esse mês. Como se pode notar à leitura dos três acórdãos mencionados por Sua Excelência para demonstrar que o TST tem adotado reiteradamente a Súmula 277, no primeiro deles não se aplicou a ultra-atividade em razão da modulação temporal conferida ao verbete e, nos dois seguintes, uma turma do TST a aplicou para preservar cláusula prejudicial aos interesses dos empregados.

Para finalizar, cumpre reiterar que a Súmula 277 foi editada pelo TST com uma única finalidade: dar aplicabilidade prática ao artigo 114, § 2º, da Constituição Federal, ao exigir que a negociação coletiva preserve “as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”. Não foi sem razão que tanto a AGU como a PGR manifestaram-se no sentido da inexistência de qualquer inconstitucionalidade.

Esses são os fatos. Não nos cabe, como magistrados, emitir juízo de valor acerca das razões que emprestam fundamento e urgência à decisão liminar concedida por ministro da Corte Suprema. Cabe-nos, entretanto, esclarecer que o TST, em sua competência concorrente de esgotamento da instância trabalhista, interpretou a Constituição da maneira que lhe pareceu correta e em consonância à literalidade do texto para, nos termos do que foi salientado pela AGU, encontrar o indispensável equilíbrio entre os atores coletivos da relação trabalhista, em conformidade à sua jurisprudência consolidada na Seção de Dissídios Coletivos e decantada na doutrina trabalhista.

Por Augusto César Leite de Carvalho
Ministro do TST
Por Lelio Bentes Corrêa
Ministro do TST
Por Luiz Philippe Vieira de Mello Filho
Ministro do TST