chamadoRAUma das mais belas características da militância de esquerda, na realidade um dos seus valores mais caros, é a solidariedade. Solidariedade que é um humanismo praticado também por liberais e democratas em geral. Perseguidos em seus países, ameaçados em sua sobrevivência material ou mesmo sua integridade física, socialistas, comunistas, progressistas em geral e judeus progressistas ou não muitas vezes puderam contar com a imprescindível ajuda dos seus pares. Outras tantas vezes, foram abrigados por gente simples, trabalhadores pobres, camponeses, ignorantes de quase tudo mas não desse valor universal, que antecede e transcende o embate político: a solidariedade humana.

Justiça seja feita, militantes perseguidos pelo crime de pensar e opinar encontraram abrigo, inclusive, no seio da burguesia. Durante a última ditadura militar, grupos empresariais os mais poderosos, incluída a emissora de televisão que começava a tornar-se um império em conluio com o regime castrense, contaram com o talento e a criatividade de jornalistas, escritores e artistas de esquerda perseguidos pelo regime. Oduvaldo Viana Filho e Dias Gomes, por exemplo, mantiveram o sustento de suas famílias escrevendo telenovelas para a vênus platinada.

Na França conturbada pela guerra da Argélia, oficiais de seu Estado-Maior pediram ao presidente De Gaulle que perseguisse Jean-Paul Sartre, por incitar os argelinos à luta pela independência. O general reagiu com sabedoria: “-Não se prende Voltaire!

Faço essas observações para contestar o mais novo gesto lamentável da troika que tomou de assalto o PSB: exonerar funcionários ligados a mim, todos de competência jamais contestada, como forma de punição pelos meus ‘crimes de opinião’. Partem, agora, para destituir os presidentes de regionais provisórias que guardam a independência e a dignidade, que deveria ser o apanágio de todo presidente. Começaram pelo Rio de Janeiro e pelo deputado Glauber Braga. Em vez do debate, em vez da salutar contraposição de reflexões, de argumentos, que faz a vida de qualquer agremiação digna do nome “Partido” (e muito especialmente dos partidos ditos de esquerda)… em vez disso, a reprimenda obtusa, com ranço de coronelismo (coronelismo burocrático mas sempre coronelismo). E assim depõem as respectivas digitais no crime de desconstruir um partido. Quem viver verá.

Após a surpreendente (fiquemos com o suave adjetivo) guinada do segundo turno da última disputa presidencial (guinada que de há muito vinha sendo costurada pelos setores mais atrasados do partido), em que optou por aliar-se à direita dita social-democrata que sempre combatera – quando sob as lideranças vigorosas de Jamil Haddad e Miguel Arraes –, o ainda PSB encontra-se numa espécie de limbo do qual dificilmente poderá sair. Afastou-se da esquerda, mas reluta em integrar-se, de corpo e alma, às fileiras da oposição reacionária e de direita ao governo Dilma. Tampouco apresentou à sociedade brasileira suas credenciais de catalisador de uma ‘terceira via’ como alternativa à dicotomia PT-PSDB. Nessas condições, vai-se assemelhando – e aproximando, como é natural – tanto do camaleônico PSD quanto do minguante PPS, melancólica contrafação do PCB, entre outras agremiações do estilo. Agora, o partido que sempre integrou e muitas vezes liderou blocos de esquerda, constitui na Câmara Federal um bloco bem à feição da troika que o comanda pois integrado pelo nosso PSB, pelo famigerado Solidariedade do Paulinho da Força Sindical e o PPS dos que renegam o comunismo, o socialismo e mesmo a social-democracia.

O PSB é conhecido do eleitorado pelas administrações municipais e estaduais que comandou, no geral com bom êxito. Mas que projeto defende, hoje, no plano nacional? Que compromissos assume (não se iludam: não se faz política sem assumir compromissos)? Está comprometido com a inovadora emergência das massas, com a superação da estrutura ‘Casa-Grande e Senzala’ que ainda molda a nossa sociedade? Ou, pelo contrário, filia-se ao velho projeto do patronato brasileiro, de fazer as mudanças necessárias para que tudo permaneça como está?

E no plano internacional? O Partido afastar-se-á, doravante, da causa palestina e árabe em geral que tanto empolgava Miguel Arraes, do compromisso com a integração latino-americana e do diálogo com países amaldiçoados pelo Departamento de Estado dos EUA, rasgando de novo toda a sua história?

Tudo isso são questões fundamentais, para as quais é fundamental haver respostas, ainda que tentativas. Trata-se, claro, de um desafio. É pena que a nova direção do ainda PSB se mostre incapaz de enfrentá-lo, e tente intimidar, com exonerações sumárias, quem o propõe.

Em lugar da Política, em lugar do debate, o gesto espúrio, a iniquidade. Ao invés da grande Política de que nos falava Gramsci (que a troika jamais leu), a pequena política, rasteira, pedestre.

Roberto Amaral