Por: Epitácio Brunet, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, CEBELA

 Foto de epitacio BrunetA América Latina – com seus 21 milhões de Km² de superfície ( o dobro da Europa, com 10 milhões de K² ), ou a metade de todo o continente americano, plena de riquezas, contrastes e afinidades físicos, sociais, culturais, políticos e econômicos – surge, para a História, como um projeto na origem do capitalismo; logo, sua própria história é um contínuo processo com raízes na sua existência anterior a este, mais as estruturas que se instalam na formação dos países do continente, ao longo da afirmação da hegemonia desse modo de produção, nesses 500 anos. Em outras palavras, é uma região do planeta profundamente associada ao capitalismo,  lá na sua origem desde o surgimento do “Novo Mundo”, até a sua consolidação  – presente nas suas causas e conseqüências, fortuna e desigualdades.

 

Tendo essa realidade como desafio, cuja evolução demandava, preliminarmente,  a formação de Estados Nacionais – o que corresponderia às lutas pelas independências de países no continente -, afloraram os primeiros movimentos políticos na região. Contudo, as sociedades desses países, também, e por sua vez, não estavam longe de reproduzir um quadro de luta de classes, tal como se manifestava na Metrópole. Isto é, não obstante as lutas pela independência – ou mesmo os esforços da unidade que poderiam dar potenciação continental,  empreendidos por Simon Bolívar, como o que se colocava no horizonte da América Latina – sequer traziam a mitigação de um quadro de profunda desigualdade gerado pelos padrões de acumulação de capital na região ao longo do período colonial, e após este; numa convergência entre interesses locais e o imperialismo, ainda que fosse aquele imperialismo inglês, já em crise; e adiante, em superação dialética, convergente ao “novo imperialismo”, o dos Estados Unidos. Pois, como diz Erich Hobsbawm :  ‘ O império americano  consistia, portanto, em Estados tecnicamente independentes seguindo, na essência, os comandos de Washington; mas dadas as independências, isto exigia contínua e substancial prontidão’, no prefácio de “Estados Unidos, o novo imperialismo”, de V.G.Kiernan.

 

O projeto da esquerda socialista – com fundamentos marxistas, no início do século XX – surge aqui, dadas estas realidades estruturais, com a necessidade de, a um só tempo, se colocar para a sociedade como um caminho para a superação das perversas condições que resultavam do legado da economia colonial. Um quadro profundamente acentuado pelas condições de  capitalismo periférico, em suas relações desiguais e combinadas com o centro econômico internacional  que exigiam como caminho um desenvolvimento econômico independente, com a geração de riquezas, e de sua apropriação, por parte dessas populações nacionais, e por seus Estados, a serem,  então, legitimamente forjados. Portanto, estava a esquerda socialista, que surgia, frente a uma questão fundamental: diante de uma realidade comum e hegemônica ao sul do continente, qual ou quais a(s) estratégia(s), e quais as formas de atuar que levariam ao êxito do processo de lutas políticas que despontavam como necessárias e inevitáveis ?

 

Ao chegar ao século XX, a América Latina já trazia um quadro de profunda dependência econômica e de desigualdades sociais, não obstante a condição de países formalmente independentes, com Constituições, Governos, Parlamentos e partidos políticos – um Estado funcional, enfim. Seguia sua “vocação” de produção e exportação de matérias primas e de produtos agropecuários; com uma logística instalada e controlada por capitais ingleses – estes buscando um porto seguro como forma de escapar da “grande crise européia de 1873”, originada no processo de acomodação imposto pela unificação da Alemanha, e da Itália – e franceses.

Neste cenário, surgem as primeiras lutas sociais amplas e organizadas, distintas de movimentos desorganizados que afloraram nas últimas décadas do século anterior. Vêm primeiros os sindicatos e, em seguida, os partidos de esquerda – anarquistas, sociais-democratas, socialistas e comunistas; estes, com uma interpretação marxista da realidade da região.

 

Nas décadas iniciais, as lutas travadas por essas organizações caracterizaram-se pela alta combatividade. E, em alguns casos, os programas dos partidos colocavam-se claramente como anti-capitalistas. Logo, a repressão a estas organizações foi imensa, pois não havia margem de negociação entre reivindicações que se chocavam com o capitalismo periférico, e seus padrões de acumulação de capital. Daí, a inviabilidade, naquela etapa da formação dos das economias da região, de partidos de esquerda de corte socialdemocrata na América Latina de então. Estes, ao encaminharem reivindicações de benefícios e ganhos materiais para a massa de assalariados, e para os operários urbanos – o imenso contingente de trabalhadores rurais sequer era contemplado – não percebiam que a superexploração dos trabalhadores, dada a divisão internacional do trabalho, era a condição para a viabilização do modo de produção capitalista no continente. Assim, para setores da esquerda, notadamente os marxistas, o projeto socialista para a América Latina foi visto como necessariamente revolucionário, ou nada.

 

A introdução de reformas sociais, então, ocorrerá no continente através de Governos que romperam, no âmbito das elites, com interesses mais conservadores. Para tanto, os Estados existentes foram modernizados; sem mudarem sua essência, certamente.  Entretanto, este não foi um processo estável. A história contemporânea da região conhecerá uma sucessão de “golpes de estado”, como nenhuma outra região do planeta. Estes “golpes de estado” – movimentos civis-miltares – quando exitosos sempre desembocaram em ditaduras que tiveram como objetivo primordial deter as reformas sociais e econômicas que estivessem em curso e aniquilar com partidos e organizações de esquerda que atuavam através da mobilização social, estimulada pela perspectiva de atendimento de suas necessidades mais básicas. Como analisado por alguns cientistas políticos, as ditaduras se implantaram, por aqui, como uma necessidade estrutural do modo de produção capitalista, na periferia do sistema. Sim, essas “ditaduras estruturais” devem ser dessa forma consideradas não apenas por seu corte ideológico conservador  e de direita, mas como a expressão no plano político da conjunção de fortes interesses econômicos dos setores nacionais  e internacionais. Em outras palavras, a economia capitalista na região teve, ao longo do século XX, um caráter de acentuados desequilíbrios sócio-econômicos como condição de sua viabilização, e não apenas causada pela ausência de valores democratas ou humanísticos por parte das classe dominantes.

Ainda sobre a relação entre “golpes de estado” e ditaduras na América Latina é crucial esta reflexão, ainda que tenhamos nos acostumados a ver com se fossem o mesmo fenômeno; um mesmo acontecimento histórico. Não, não é. Há pesquisas em andamento que demonstram que o fato histórico de os “golpes de estado”, quase em sua totalidade ( a literatura não registra exceções ), implicarem na instalação de ditaduras decorre de alguns fatores :

 

– Os “golpes de estado” ocorreram durante processos políticos onde havia uma ampla mobilização social; logo, os “golpes de estado”, como episódios de curta duração ( não duram mais do que alguns dias ) não teriam estabilidade caso não se constituíssem em governos que criem uma nova legitimidade na sequencia do processo.

 

– Os “golpes de estado” sempre foram apresentados como uma “defesa da democracia”  frente às “ameaças” e riscos inerentes aos processos que estavam em curso, daí advindo sua “legitimidade” que somente será possível na nova legalidade estabelecida pelas “ditaduras”; uma “legitimidade” ex post, portanto.

 

-Os “golpes de estado” sempre foram precedidos de articulação de setores civis minoritários  ,mas influentes, criando cenários de crise – em geral, com a mobilização das classes médias – para justificar o pronunciamento do estamento militar do Estado. Portanto, os “golpes militares” necessitam serem continuados por ditaduras para que se modele o “consensual majoritário”, ou sua expressão como uma “vontade da maioria da sociedade” a ser construída. Há pouco, houve uma publicação (CartaCapital,n º 773, 6/11/2013) que comprova o que afirmamos aqui, com a divulgação de uma pesquisa do Ibope realizada na 1ª semana de março de 1964 mostrando um apoio ao “governo João Goulart” de mais de 60% na população. Como se pode ver no quadro abaixo, Tabelas 1 e 2:

 

Tabela 1.

AMPLO APOIOAvaliação do governo Goulart*
Total
Classes A e B (alta e média)
Classe C (pobre)
Classe D (muito pobre)
Ótimo

13%

11%

12%

18%

Bom

29%

18%

36%

41%

Regular

30%

33%

28%

27%

Ruim

7%

9%

7%

2%

Péssimo

12%

18%

7%

4%

Não sabem

9%

11%

10%

8%

*Pesquisa realizada pelo Ibope entre os dias 20 e 30 de março de 1964, na cidade de São Paulo por encomenda da Federação do Comércio de São Paulo.

 

 

 

Tabela 2.

INTENÇÕES DE VOTO, EM %* Se o presidente João Goulart também pudesse se candidatar à Presidência
Ademar de Barros
Carlos Lacerda
Juscelino Kubitcheck
Magalhães Pinto
Em branco
Não sabem
Votariam nele
Não votariam nele
Não sabem
Fortaleza 

5,0

16,5

60,2

3,0

6,3

9,0

57

34

9

Recife 

5,8

19,2

45,2

4,5

6,6

19,0

60

28

12

Salvador 

9,5

18,1

45,2

6,0

8,0

13,2

59

32

9

BeloHorizonte

6,1

18,8

54,0

9,5

5,8

5,8

39

56

5

Rio deJaneiro

8,5

34,3

35,6

5,7

7,3

8,6

51

44

5

SãoPaulo

10,4

21,6

31,8

8,3

15,1

12,8

40

52

8

Curitiba 

10,8

19,1

35,8

1,5

7,0

25,8

41

45

14

Porto Alegre

16,5

24,2

25,2

13,1

10,5

10,5

52

44

4

*Pesquisa realizada pelo Ibope entre 9 e 24 de março de 1964

 

 

Assim foram, praticamente, todas as “Ditaduras Civis-Militares” na América Latina, pois eram invariavelmente regimes de força, associados a uma máquina de propaganda que forjasse uma “opinião pública”, se não totalmente favorável, pelo menos, silenciosa.

 

 

Paralelamente, e ainda no século XX, a esquerda socialista, não obstante as enormes dificuldades de organização partidária, tanto em função das duras limitações impostas pelo status quo político, assim como por suas idiossincrasias onde não faltaram diversos processos de cisão e rupturas – divergências quanto aos caminhos e ao caráter das revoluções imaginadas,  sectarismos, personalismos, foram algumas das causas -, pode ser protagonista da história no continente.

 

Desse modo, esquerda socialista se viu frente às lideranças de grande carisma e influência junto ao povo – tratados com epítetos como “populistas” ou “caudilhos” ( palavra esta vinda de “al caid”, de origem árabe que quer dizer “o chefe”, e que passou para o castelhano)-, dadas as reformas sociais que implementaram episodicamente na região.

 

De fato, além das limitações de um programa social-democrata na região – pela razão já exposta-,  e de qual postura assumir frente  a estes governos populares e suas reformas – aos quais ora combateu, ora apoiou -, a esquerda socialista teve diante de si um grave “que fazer ?” com : as posições evocadas pelo discurso “nacionalista” de setores não-reacionários das sociedades em seus respectivos países em determinadas conjunturas políticas;  e frente ao “desenvolvimentismo”, nos anos de 1950 e 1960, que se apresenta como caminho para a superação do que seria o “subdesenvolvimento”da América Latina.

 

Esse “nacionalismo” foi uma posição política que a esquerda socialista latino-americana incorporou aos seus programas somente a partir dos anos de 1940, em diante – especialmente motivados pelos movimentos de esquerda que lutavam, em outros continentes, pela descolonização após a 2ª Guerra Mundial. É a partir daí quando se formula o caráter anti-imperialista como um dos objetivos estratégicos das revoluções propostas na região. Até então – e não porque inexistisse um controle imperialista das economias nacionais por aqui, certamente – as esquerdas não colocavam este objetivo estratégico em suas teses para orientar as revoluções imaginadas. Durante toda a primeira metade do século XX, essas teses dos distintos partidos políticos da esquerda sequer mencionavam o imperialismo como o “inimigo a ser derrotado”.

 

Tomemos como exemplo a chamada “Republica Socialista do Chile” – um efêmero governo revolucionário, tendo à frente Marmaduke Grove ( fundador do Partido Socialista Chileno ), até ser derrubado por um “golpe de estado” – que nos 12 dias de sua duração, em junho de 1932, apresentou um radical ( no sentido de raiz, é claro ) programa de “30 pontos” que determinava, entre outras medidas, por exemplo: a expropriação de bancos e das grandes fortunas e de terras no país, a implantação de monopólio do Estado nas transações econômicas, estabelecimento de relações diplomáticas coma União Soviética. Mas, não há nenhuma menção a qualquer medida que pudesse considerar de caráter “antiimperialista”. Era, sim, um “programa de governo socialista” e as propostas que afirmavam eram, evidentemente, anticapitalistas. A leitura de conjuntos de documentos elaborados pela esquerda socialista, em quaisquer dos países da região, nesse período compreendido entre as primeiras décadas do século XX, indica, sem dúvida, uma formulação para uma revolução socialista, onde não se mencionava um projeto nacionalista como objetivo estratégico; e onde o desenvolvimento nacional seria um corolário das revoluções, e não sua realização final.

 

Assim como o “nacionalismo” entra na agenda dos partidos de esquerda na segunda metade do século XX, o mesmo acontecerá com relação aos programas “desenvolvimentistas” que surgem por iniciativas de governos e lideranças políticas progressistas na América Latina.

Mais uma vez, como que numa rendição pragmática, os partidos de esquerda apóiam várias das ações então empreendidas por governos democráticos em alguns países do continente, ao reconhecer nessas iniciativas – assim como via nos “discursos nacionalistas” –, algo que causava empatia junto à maioria da sociedade, alem, é claro, dos efeitos concretos sobre as economias nacionais, gerando crescimento e indicadores sociais promissores nesses países.

 

Entretanto, em ambos os eixos programáticos – “nacionalismo” e “desenvolvimentismo” – os partidos de esquerda reconheciam, ainda que de forma discreta, certos riscos. A história ensinara para a esquerda socialista que há um nacionalismo, que evocando o princípio da soberania nacional – de forte referência na sociedade como valor positivo fundamental para sua identidade – como que pode representar, por outro lado, a ausência da consciência necessária de que o território de uma sociedade, dada uma formação em grande parte comum, como no caso concreto dos países que formam a América Latina, não é limitado por fronteiras, e que o conceito de “pátria” traz não somente o “patriotismo”, mas os riscos do “patrioteirismo”.

 

Quanto ao “desenvolvimentismo”, setores da própria esquerda socialista trataram, ao seu tempo, de advertir sobre a inexistência de um subdesenvolvimento que pudesse ser superado como se fora  uma etapa do capitalismo; que desconhecesse, portanto, que o “desenvolvimentismo” não asseguraria a superação das profundas iniqüidades sociais e inconsistência no crescimento dos países da região, caso  não houvesse uma completa reestruturação dos processos de acumulação de capital, de apropriação da riqueza e de sua distribuição; e, sobretudo,  do papel dos Estados e da reinserção dessas nações nas relações internacionais, voltadas que deveriam estar para a cooperação e não para a competição intraregional.

 

A incorporação da luta contra o imperialismo norte-americano ao programa dos partidos de esquerda socialista na América Latina – a exemplo do que se espraiava em escala internacional, notadamente nas regiões empobrecidas do mundo após a 2ª Guerra Mundial – não representava um conflito com o caráter socialista que se considerava genuinamente revolucionário. A melhor expressão desse entendimento, que sacudiu ( e para alguns, desnorteou ) a esquerda socialista, viria ser a Revolução Cubana, em 1959.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Por outro lado, tanto as dificuldades do desenvolvimento econômico de Cuba, causadas, sobretudo, pelo isolamento do país, quanto a própria crise ideológica da esquerda marxista nas décadas finais do século XX, trouxeram a necessidade de avaliação dos projetos políticos revolucionários para a região.

 

Nesses últimos vinte anos, a América Latina pôde, finalmente,  conhecer o florescimento de processos democráticos; algo fortemente resultante do fim da “guerra fria” – que mantinha o continente na órbita dos Estados Unidos como área de grande interesse geopolítico e geoeconômico.

 

Evidentemente que o imperialismo não desapareceu com o fim da “guerra fria” – no discurso de posse de John Kerry ,como secretário de Estado dos EUA, ele se referiu a América Latina como “our backyard” , que vem a ser “nosso quintal -, mas, acompanhando as transformações políticas e econômicas da região trata de estabelecer novos modos de não perder mercados (especialmente de serviços ), fontes de commodities, e produtos de baixo valor agregado.

Como democracia é processo e não um “porto de chegada”, ocorreram, e ainda estão em curso, acontecimentos de grande importância para a História da região, e de sua busca por um desenvolvimento social, econômico e político sólido e que esteve nos planos dos partidos de esquerda ao longo de décadas. Ou seja, ao serem, parcialmente, neutralizados os riscos de retorno às tragédias dos “golpes de estado”, encontraram os partidos de esquerda meios de fazer chegar a maior parte sociedade seus programas e projetos; e como estes representam o acesso a alguns dos mais básicos direitos – trabalho, renda, educação, saúde, por exemplo – que são os fundamentos da cidadania plena.

 

Para a América Latina, este ciclo traz virtudes e desafios. Tendo ficado no passado o forte endividamento externo – que praticamente levou à bancarrota alguns dos paises da região nos anos de1980 – e os ditames do FMI e a ingerência mais aguda dos EUA, cabe aos partidos de esquerda propor os objetivos estratégicos que garantam a irreversibilidade de tão caras conquistas.

 

Em vários paises da região, estão em curso processos de desenvolvimento que podem ser descontinuados. Vemos, concretamente, o exemplo da Venezuela. O processo denominado “bolivariano” – evocando um grande artífice da unidade da América Latina, que foi Simon Bolivar – tem sido, desde seu início, sabotado por forças reacionárias internas do pais e por forças externas a elas associadas. Sua principal fonte de riqueza é objeto de interesse estratégico por parte dos EUA, que segue intervindo como se não lhes bastasse ter pago valores irrisórios pelo petróleo que extraiu da Venezuela por quase 80 anos. Certa vez, pudemos ouvir um grupo folclórico que cantava no Chile, durante os atos do Governo Allende, canções politizadas, e uma destas dizia assim: “que culpa tiene el tomate se está tranquillo en la mata se viene un yankee ladrón lo pone em una lata y lo manda para Caracas?”. Perguntamos, então, a um companheiro venezuelano que explicara o sentido do verso e ele assim o fez – “ É porque os EUA, há décadas, tem pago o petróleo da Venezuela com latas de extrato de tomate”. A mídia internacional e da região tem divulgado que quase nada se fabrica na Venezuela. Sim, isso ocorre. Mas, como e por quê essas estruturas se formaram?  A quem interessou e interessa a manutenção dessa realidade ? Reverter essas estruturas é uma tarefa gigantesca. Sobretudo, porque as possibilidades de êxito a médio e longo prazos implicam em riscos cíclicos; em ondas de instabilidade provocadas por forças endógenas e exógenas. Um dos exemplos é o tão divulgado “desabastecimento”. Uma agencia de notícias chegou a divulgar que havia um desabastecimento de 42% da “cesta básica” na Venezuela. Ora, não existe indicador de desabastecimento, escrevemos para o grande jornal que publicou essa tolice. O que respondeu o jornal : que um instituto de pesquisa percorreu um supermercado em Caracas e constatou que faltavam, ou só havia uma marca disponível, em 42 produtos da “cesta básica”. Mas, respondemos mais uma vez dizendo que a “cesta básica” no Brasil,por exemplo, tem 13 itens. Que desabastecimento é este? São as crises fabricadas, como já visto. Preocupações, sim, se apresentam para o processo bolivariano, com a perda de seu líder Hugo Chavez. Todos sabemos que a história não é a história dos grandes personagens, como achava Carlyle, mas, não há revoluções sem partidos e estes sem lideranças.

 

Por fim, quanto ao conjunto da América Latina, se coloca o desafio da integração continental. Mais precisamente, na América do Sul, o Mercosul – no limite de uma aliança aduaneira – tem andado de lado, mas deu mostras de sua escolha política ao suspender a participação do Paraguay, após o “golpe parlamentar” que, em 2012, destituiu presidente Fernando Lugo, e, ao mesmo tempo, procedeu à inclusão da Venezuela. Na esfera mais ampla há a UNASUL – criada em 2008 – e em processo de estruturação, com mostras promissoras de unidade e comprometimento. Todavia, essa crucial integração continental tem enfrentado dificuldades e incompreensões partindo mesmo de setores progressistas e de partidos de esquerda na região. É preciso ficar atento com aqueles que querem a cizânia na América Latina. Há quem diga de um suposto “imperialismo brasileiro”, mais precisamente na América do Sul. Há alguns meses, uma publicação de esquerda – Le Monde Diplomatique – trouxe uma extensa matéria intitulada “Brasil se aproveita do sonho bolivariano”, onde diz que “a integração que busca o Brasil é visando seu próprio crescimento isoladamente em detrimento dos demais países da região”. Ora, o governo brasileiro tem estimulado investimentos de empresas brasileiras em diversos setores produtivos regionais, alem daqueles com recurso de seu banco de fomento (BNDES). O que sim existe é uma situação real determinada pelo porte das economias que gera distorções pontuais que não lhes convém  magnificar, e sim administrá-las com os meios que não elidam a cooperação como único modo de construção do território comum, sem imediatismos e com perspectivas nos horizontes de longo prazo.

 

Sim,atenção se deve ter com a recente formação da “Aliança do Pacifico”, que estimulada pelos EUA, por não ter tido êxito na imposição da ALCA, propõe criar um mercado comum que os integre com o Chile, Peru, Colômbia e México. Os EUA, assim como o centro desenvolvido do capitalismo, vivenciando sua mais grave recessão dos últimos 80 anos, estão se fechando em círculos protecionistas e certamente esta “Aliança” corresponde a uma crucial estratégia do Império.