A quem e por que incomoda a proposição de unidade entre as candidaturas da esquerda e forças progressistas?

por Walter Sorrentino*

Não é a proposta certa face à realidade do país, que todos nós consideramos dramática e ameaçadora dos fundamentos da nação, da democracia e dos direitos do povo?

Face à ofensiva das forças golpistas e conservadoras que lograram fazer de Lula um prisioneiro político e não hesitam em subverter seguidamente a ordem para assegurar isso?

Por acaso é um jogo de interesses contra Lula ou para além de Lula? É para enfraquecer o PT ou não reconhecer legitimidade na tática que adota esse partido? É um passo que enfraquece a resistência democrática e progressista? Seria devido de interesse menor de alguma força, logo a proponente maior dessa unidade, em torno de objetivos inconfessáveis? É para dar a Ciro Gomes uma nota que ele não mereça, como o de quem até agora foi mais fundo e longe na proposição de um rumo corajoso, como o de pôr o sistema financeiro no seu devido lugar?

Por definição trata-se de proposta que não visa assegurar nem derrotar hegemonia de quem quer que seja, ao contrário, busca constituir um núcleo de hegemonia política e intelectual nos moldes de uma frente programática consequente, tendo por centro um projeto nacional de desenvolvimento – enquanto ideário, plano e estratégia. Hegemonia é projeto, senão vira exclusivismo; e que projetos nos dividem mesmo?

Porque não é a hegemonia que está em jogo e sim a única estratégia que se impõe nesta hora para a vitória: assegurar a ida ao segundo turno de um candidato de nossas forças para ousar vencer mais uma vez as eleições presidenciais e não tornar mais arriscado esse propósito – como desconsiderar a força do antipetismo no segundo turno ou mesmo o que se deve fazer desde já em prol da governabilidade de um país quebrado. Isso certamente mobiliza todo um vasto segmento progressista no país hoje.

Do ponto de vista histórico, isso é uma estratégia frentista. Por que não? Isso esteve na base das vitórias que remanesceram até hoje de governos progressistas e de esquerda, como o do Frente Amplio no Uruguai ou do Congresso Nacional Africano, para não falar nas conquistas revolucionárias anticoloniais e neocoloniais na Nicarágua (Frente Sandinista) ou El Salvador (Frente Farabundo Marti), da China, Vietnã etc etc.

Seria uma proposta que desconheça a correlação de forças no seio dessa realidade da esquerda e forças progressistas? Como? Para “escantear” o PT, a força maior da esquerda, que tem Lula como o maior líder popular liderando as pesquisas? E por que “escantear” e isolar Ciro, exatamente o jogo maior das forças conservadoras nestas últimas semanas? Ou seria proposta para arrefecer e negar o protagonismo popular, cuja mobilização política se afirma cada vez mais como o caminho que possibilita as reformas estruturais democráticas no país?

Seria, então, para dar a Manuela D´Ávila e seu PCdoB algo que eles não fizeram por merecer ou ansiar? Justamente aqueles que foram para as linhas de frente do combate popular e institucional contra o golpe e pela liberdade a Lula, sem titubear. Que com a mesma determinação apresentou rumos de renovação política com a brilhante campanha de Manu à presidência, a qual está no primeiro pelotão quando se trata de falar à juventude e às mulheres, campeã nas redes sociais e provinda de um Estado onde campeia o anti-petismo.

Indo mais longe: se de fato não há ilusões no aparato de Estado de caráter profundamente conservador, nem se subestime os conservadores no país, capazes de “beliscar azulejos” quando se trata de pactuações pelo alto e à margem da nação (ora, há poderosos interesses internacionais intervenientes), vencer as eleições é praticamente o único caminho de assegurar a volta do Estado de direito democrático que possa reverter a prisão política e facciosa de Lula.

Bem, talvez fosse incômoda aos que a julgam impossível. Como diria Mandela, o impossível só o é enquanto não tenha acontecido. O impossível está acontecendo com o desmonte do Brasil, da Constituição que agasalha o estado democrático de direito e os direitos do povo. Um país que voltou ao mapa da fome, onde se eleva a mortalidade infantil, onde patrimônio quase secular vai sendo derretido no altar do fiscalismo, que traveste os donos do poder financeiro que atam o Brasil em seus grilhões.

Choca quando se vê alguma ironia quando se trata de proposição tão elevada e comprovada na história política das lutas populares, progressistas e de esquerda.

O país está cansado da política, mas também da instabilidade política. Cada um desses vetores aponta caminho antípoda ao outro. Será um doloroso fato na história da esquerda brasileira se essa oportunidade – de algum modo até imprevisível – de vencer as eleições e repor o Brasil nos eixos, dar ao povo esperança de futuro e ao Brasil a estabilidade para sair da crise.

Nunca é tarde para a unidade, pactuações progressivas sem vetos, pensar no país para acima e além dos interesses legítimos de cada um de nossos partidos. Por que essas disputas táticas levam a divisões e perda de energia tão necessárias para focar o problema que nos transcende, que é a nação.

Que seja a unidade possível, mas ninguém deve perder tempo se batendo contra esse grande propósito. Por que aí, seria atitude de motivações inconfessáveis.

Como diz Manuela D´Ávila: “O tema da unidade é um tema central. As virtuais divergências que a gente tem são inferiores a unidade que a gente tem que ter para reconstruir o Brasil”.

*Walter Sorrentino é vice-presidente e Secretário de Relações Internacionais do PCdoB.