Um dos efeitos colaterais adversos do massacre da sexta-feira 13, em Paris, pode ser a aprovação, na Câmara dos Deputados do Brasil, do projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo. O ataque deu força aos congressistas que querem votar rapidamente a proposta que acaba de retornar do Senado.

Verdade que o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), relator do substitutivo, despiu o projeto original de alguns absurdos –em uma interpretação mais rigorosa, um dos dispositivos poderia equiparar o gesto de pichar paredes a terrorismo.

O resultado, mesmo assim, está bastante aquém de uma peça equilibrada, que melhorasse a legislação penal em vez de piorála.

O texto ainda abusa, na definição do tipo penal, de termos vagos como “ato que atentar gravemente contra as instituições democráticas”. Nas passagens em que procura ser mais específico, peca por incluir elementos demais.

Num exemplo atual, o ato de invadir e permanecer em escolas públicas, demonstrando extremismo político, não estaria a salvo dessa lei. Um promotor severo poderia tentar enquadrar como terroristas os jovens que protestam contra a reorganização predial do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), sujeitando-os a pena de 16 a 24 anos de reclusão.

Os excessos não terminam aí. Também são despropositados e flertam com a inconstitucionalidade os mecanismos que pretendem punir crimes relacionados. A apologia ao terrorismo, por exemplo –no fundo um delito de opinião–, renderia de três a oito anos de reclusão; o financiamento ao terrorismo, definido em termos vagos, tem pena estipulada de 12 a 20 anos.

Vale lembrar que não há consenso internacional sobre o que seja organização terrorista. Na maioria dos países ocidentais, quem dá dinheiro ao Greenpeace é visto como alguém preocupado com o ambiente. Pelos padrões russos, essa pessoa estaria financiando o terror. De quais critérios nossos promotores e juízes se valerão?

As imperícias legislativas do projeto ficam ainda mais graves quando se considera sua inoportunidade. Qualquer ato terrorista imaginável já está coberto pela atual legislação penal brasileira.

Não se ignora a existência de pressão externa para o Brasil enrijecer as normas de combate ao terrorismo. São compromissos que o país assumiu em pelo menos 15 tratados e protocolos internacionais.

Nada obriga, porém, os parlamentares a aprovar, no calor das emoções despertadas pelos atentados em Paris, um projeto ruim e desequilibrado, que generaliza a suspeita sobre quase todo ato político sem concentrarse numa efetiva prevenção ao terrorismo.

Fonte: Folha de São Paulo