por: Tati Bernardi

AOS 15 anos eu tinha um namorado chamado Eduardo, uma mochila de rodinhas para que os livros pesados não sobrecarregassem minhas costas e muito tédio. Tirando história e literatura, eu odiava todas as outras matérias. Tirando a Michele e o Toninho, eu detestava todos os outros alunos. Tirando sextas e sábados, dias em que estava liberado assistir às aulas sem uniforme, eu abominava todos os dias da semana. Eu era a típica pessoa sem problemas, no entanto, enfastiada porque meu pai cismava de conversar comigo no trajeto para a escola e o vestido que eu queria da Pakalolo não tinha mais no tamanho “P”.

O plano era matar aulas pra encontrar meu namorado e eu era muito boa nisso. Eu obrigava minha mãe a fazer “bilhetinhos de dispensa” para a educação física (dizia a ela que não me sentia bem por conta do prolapso da válvula mitral, problema que acometia a família to- da, e que usaria o tempo para ficar na biblioteca lendo), mas usava tal ingenuidade materna documentada para escapulir e ir dar uns amassos no cinema.

A vida parecia terrível, longa, infernal, claustrofóbica, começando sempre às seis da manhã e terminando com a minha cara enterrada em um livro de física, sem entender exatamente aonde aquilo me levaria. Se existia Deus, e eu aprendia em sexologia que sim (o professor da instigante disciplina era um padre, vai entender), ele devia estar penalizado pelos meus dias de tamanha provação.

Só adulta fui entender como tive privilégios e fui ininterruptamente instruída, auxiliada, ouvida, amada, salva, levada, trazida, no ar-condicionado, no uniforme com amaciante, na psicóloga para que eu falasse dessa tamanha angústia por sabe lá o motivo, nos shoppings para encontrar amigos e torrar mesadas, nas festas implorando à minha mãe que mudasse o limite da uma da manhã para uma e meia da manhã. Eu era insuportavelmente feliz, sobretudo porque podia me dar ao luxo de buscar motivos misterio- sos para não ser.

Ao ver essa absurda repressão policial, com homens apontando armas para garotas de 15 anos, batendo e jogando cadeiras em jovens que só querem entender, afinal, o que significa “reorganização”, uma vez que está um pouco confuso quando, como e onde eles vão estudar, fiquei pensando como seria se, naquela época, simplesmente fechassem meu colégio e a polícia me apontasse um cassetete. Meu enfado, minha revolta contra nada, minha vontade de somente ver filmes e beijar na boca e escrever poesias e dormir até mais tarde e ouvir músicas virariam o quê? Assista qualquer uma das muitas entrevistas feitas com esses secundaristas que “invadiram” suas próprias escolas (como se essa afirmação já não fosse um absurdo) e fique pasmo: eles são muito mais espertos, organizados, articulados, informados e maduros do que você imagina. Deveria ser proibido por lei envelhecer antes da hora.

Em um país decente, um governador jamais fecharia 92 escolas. A porrada nunca substituiria o diálogo. Um chefe de gabinete em tempo algum afirmaria que é preciso adotar “táticas de guerra” para desmoralizar garotos que estão lutando para aprender. Alunos que se esforçaram tanto para passar no Enem e cursar uma boa faculdade em hipótese alguma perderiam a vaga porque estão proibidos de terminar o ano letivo. Em um país decente, adolescentes matam aulas em vez de apanhar para que possam frequentar uma escola. A borracha serve para dar mais uma chance de acertar a questão da prova, e não para quebrar ossos.

Em um país decente, adolescentes matam aulas em vez de apanhar para que possam ir à escola

Fonte: Folha de São Paulo